Luciano Luiz Manarin D´Agostini*
* Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisador de métodos de previsões em política monetária e professor dos Programas de Pós-Graduação em Finanças do IBPEX/UNINTER/FACSUL. (Artigo publicado na revista Economia & Tecnologia - Ano 06, Vol. 23 - Outubro/Dezembro de 2010.
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RESUMO – Existem alguns indicadores na economia global e na economia brasileira que podem levar a crença de que realmente existe uma bolha imobiliária formada e em estágio ainda de crescimento no mercado brasileiro. No mercado internacional temos a armadilha da liquidez nos Estados Unidos, com baixas taxas de juros, déficits gêmeos, desemprego beirando os 10%, possível crise de preços no setor imobiliário (efeito W) pelas demoras judiciais na execução das hipotecas. A Zona do Euro apresenta-se diante de uma crise de dívida pública, com ajustes fiscais sendo implantados a custos de altos índices de rejeição por parte da população. Da mesma forma, temos a explosão da dívida líquida do setor público no Japão, beirando os 120% do PIB em 2010. Na economia brasileira a bolha imobiliária se expande pelos seguintes motivos: (i) mesmo existindo espaço para crescer, há forte expansão do crédito sobre o produto interno bruto, ainda que o crédito do setor imobiliário seja baixo; (ii) forte expansão do endividamento das famílias em relação aos seus salários; (iii) o ritmo de crescimento da massa salarial nos últimos 7 anos não acompanhou o ritmo de crescimento dos preços dos imóveis e/ou indicadores de evolução de preços do setor imobiliário como o Índice Nacional da Construção Civil (INCC); (iv) o ingresso de capitais especulativos advindos da arbitragem das taxas de juros (a taxa de juros no Brasil é muito alta em relação aos padrões de países desenvolvidos e emergentes); (v) a reforma tributária carente; (vi) a forte taxa de crescimento do PIB brasileiro, verificado em 2010, baseado no aumento do crédito não se sustenta nos próximos anos pela carência de investimento em formação bruta de capital fixo e formação de poupança doméstica; (vii) tendência da taxa de juros SELIC subir em 2011, agravando ainda mais o problema cambial (apreciação do real); (viii) medidas de aumento de depósito compulsório de 15% para 20% para depósitos a prazo podem restringir o crédito para financiamentos de longo prazo.
Palavras-chave: Bolha imobiliária. Política monetária. Crise de dívida soberana.
No início do mês de novembro o Banco Central dos Estados Unidos, o Federal Reserve (FED), anunciou ao mercado financeiro a recompra de títulos do Tesouro americano. Com o anúncio, haverá, nos próximos meses, uma injeção de US$ 600 bilhões no mercado. Essa medida, considerada de estímulo para uma recuperação, pode ser o elemento que faltava para o risco da formação de uma verdadeira bolha de ativos nos países emergentes, incluindo o Brasil. E essa bolha também afetará o mercado imobiliário. O alerta foi feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pelas Nações Unidas (ONU).
Na avaliação da OCDE, os recursos injetados nos países ricos durante os últimos 2
anos, 2009 e 2010, e em especial nos últimos meses, deram demonstrações claras de que não estão sendo escoados nas economias locais que injetaram tais recursos, no caso Europa e Estados Unidos.
Parte substancial dessa massa de dinheiro injetado nas economias desenvolvidas teria se destinado para as economias emergentes. Segundo a OCDE, alguns indícios sugerem e ameaçam fortalecer uma tendência cada vez maior de criar bolhas de ativos no mercado de renda variável, no mercado imobiliário de países emergentes e uma apreciação das moedas dos países emergentes em relação ao dólar e ao euro. Tais indícios seriam: (i) as novas medidas de estímulo monetário nos Estados Unidos e Europa; (ii) a manutenção perversa de uma taxa de juros que remunera os títulos do tesouro americano próxima de zero no curto prazo; (iii) os problemas fiscais nas economias desenvolvidas (em especial nos países periféricos da Zona do Euro, como Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália); (iv) as taxas de juros ainda elevadas nos países emergentes, em especial no Brasil e África do Sul, que pelos ganhos de arbitragem entre taxas de juros, pressiona a moeda do país emergente a se apreciar em relação a moeda do país desenvolvido.
Dos países emergentes citados no documento da OCDE, o Brasil está na lista dos países que devem se preocupar com o processo de criação de bolhas imobiliárias, bolhas de ativos no mercado financeiro e apreciação da moeda local nos próximos meses.
Supachai Panitchpakdi (2010), atual secretário-geral da Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento, também alertou sobre o processo de formação de bolhas imobiliárias e de ativos em economias emergentes como o Brasil. Segundo Panitchpakdi, as novas medidas de estímulo que os Estados Unidos e Europa anunciaram nos últimos meses teriam impacto negativo nessas economias e dariam um belo impulso para a formação de bolhas imobiliárias, caso não adotem nos próximos períodos: medidas para contenção do crédito, medidas para o aumento da taxa de crescimento de massa salarial acima da taxa de crescimento do aumento dos preços dos imóveis. Em vez de virar crédito, as compras de papéis de bancos dos EUA geram bolhas nos mercados imobiliários dos países emergentes.
O fato é que a economia americana não aparenta recuperação, apesar das baixíssimas taxas de juros praticadas e pacotes de estímulos monetários e fiscais implantados. A falta de indicadores macroeconômicos bons, portanto, não permitem dizer que a economia americana está se recuperando claramente. Enfim, pela falta de capacidade da economia americana em absorver os recursos, e com a liquidez interna excessiva, tem-se como resultado a transferência dos recursos para mercados emergentes em forma de capital especulativo. E isso significa a “exportação dos problemas econômicos dos países desenvolvidos para as economias emergentes”.
O ritmo de recuperação da economia global vem desacelerando desde o início do ano. A dívida da maioria dos países membros da OCDE caminha para níveis recordes. Ao considerar o atual fraco crescimento dos Estados Unidos e dos países participantes da Zona do Euro, e considerando que as expectativas de inflação continuem bem ancoradas nesses países, a normalização das taxas de juros deverá acontecer, segundo a OCDE, no primeiro semestre de 2012, a um ritmo que permitiria à política monetária manter-se acomodada.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista a jornalistas brasileiros em novembro de 2010, disse:
“Não adianta ficar jogando dólar de helicóptero na economia americana porque isso não fará brotar o crescimento daquele país. É preciso combinar uma política monetária expansiva (queda de juros), combinada com uma política fiscal (aumentar despesas do governo ou reduzir tributos à população). Tem que estimular o consumo, o mercado, dar condições para o consumidor. O governo americano teria que tomar medidas para gerar emprego, porque está faltando emprego lá”.
De fato, a taxa de desemprego nos Estados Unidos, divulgada no início de dezembro, veio acima das expectativas de mercado e subiu dos preocupantes 9,6% para 9,8%, quase o dobro da taxa de desemprego verificada antes da crise financeira que estourou em 2008.
Segundo avaliação do ministro da Fazenda, a decisão do Federal Reserve de colocar mais dinheiro em circulação é de “resultado duvidoso”. Segundo Mantega:
“Temos hoje nos Estados Unidos uma taxa de juros baixa.(...) Há créditos suficientes na economia americana e esse crédito não está indo para a produção (...) Esse excesso de crédito acaba desvalorizando a moeda americana (...) O único resultado que tem é desvalorizar o dólar para que os Estados Unidos tenham uma competitividade maior no comércio internacional”.
Parece que o nosso Ministro, em parte, alinha seu pensamento com o relatório da
OCDE e da ONU. No entanto, diferentemente da OCDE e da ONU, Mantega afirma que as medidas do Federal Reserve podem ocasionar a geração de “bolhas” em outros países emergentes, mas não no Brasil. Adverte que no Brasil não há formação de bolha imobiliária porque o país tomou medidas que impedem um ingresso exagerado de capitais internacionais.
A opinião divergente entre o Ministro da Fazenda e os relatórios da OCDE e ONU quanto ao processo de formação de bolhas imobiliárias nos países emergentes, em especial no Brasil, levanta algumas questões importantes que o Brasil deve se preocupar.
Para tentar conter o ingresso de recursos no Brasil, e impedir a queda maior do dólar no país, o Ministério da Fazenda anunciou em outubro o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para aplicações de estrangeiros em renda fixa de 2% para 6%, e, também, a elevação da alíquota do tributo para margens de operações no mercado futuro de 0,38% para 6%. No primeiro mês da medida, porém, o fluxo de dólares para o Brasil continuou em patamar elevado para padrões históricos, segundo números do BCB. Começamos o último mês de 2010 com o dólar abaixo de R$ 1,68 e com o euro a R$ 2,23.
Hoje temos alguns indicadores na economia global e na economia brasileira que podem levar a crença de que realmente existe uma bolha imobiliária formada, e em estágio ainda de crescimento, no mercado brasileiro.
No mercado internacional temos a armadilha da liquidez nos Estados Unidos, com taxas de juros baixíssimas, déficits gêmeos, desemprego beirando os 10%, uma possível nova crise de preços no setor imobiliário (efeito W) pelas demoras judiciais na execução das hipotecas, estrangulação do sistema de saúde e ainda a baixa regulação do setor financeiro. A Zona do Euro apresenta-se diante de uma forte crise de dívida pública, sem data para terminar, com ajustes fiscais sendo implantados (quedas de salários, aumento de impostos, aumento do tempo para se aposentar), a custos de altos índices de rejeição por parte da população (inclusive com grandes paralisações e greves, de fato rotineiras nos últimos meses). Da mesma forma temos a explosão da dívida líquida do setor público no Japão, beirando os 120% do PIB em 2010 e na Itália, beirando os 100% do PIB (Meirelles, 2010).
Na economia brasileira a formação da bolha imobiliária esta em crescimento pelos seguintes motivos: (i) mesmo existindo espaço para crescer, há forte expansão do
crédito sobre o produto interno bruto, ainda que o crédito do setor imobiliário seja baixo; (ii) forte expansão do endividamento das famílias em relação aos seus salários; (iii) o ritmo de crescimento da massa salarial nos últimos 7 anos não acompanhou o ritmo de crescimento dos preços dos imóveis e/ou indicadores de evolução de preços do setor imobiliário como o Índice Nacional da Construção Civil, o INCC; (iv) o ingresso de capitais especulativos advindos da arbitragem das taxas de juros (a taxa de juros no Brasil é muito alta em relação aos padrões de países desenvolvidos e emergentes); (v) a reforma tributária carente (deve ser revisado e simplificado); (vi) a forte taxa de crescimento do PIB brasileiro, verificado em 2010, baseado no aumento do crédito, não se sustenta nos próximos anos pela carência de investimento em formação bruta de capital fixo e formação de poupança doméstica; (vii) tendência da taxa de juros SELIC subir em 2011, agravando ainda mais o problema cambial (apreciação do real); (viii) medidas de aumento de depósito compulsório de 15% para 20% para depósitos a prazo podem restringir o crédito para financiamentos de longo prazo.
Dado o confronto atual de indicadores da economia mundial e brasileira, o que podemos esperar com relação a um possível estouro da bolha imobiliária? É discutível para os próximos períodos e até pode ser uma agenda de pesquisa e inspiração aos economistas. É que antes do fim do próximo governo, em 2014, até no máximo a Olimpíada de 2016, pode ocorrer o fenômeno de deflação dos preços dos ativos, incluindo então os preços dos ativos imobiliários.
O brasileiro nunca financiou tanto imóvel como em 2009 e 2010, e a tendência é de que novos recordes sejam batidos em 2011. Para alguns, o país está em pleno boom imobiliário. Para outros, é só o início desse processo, uma vez que o déficit habitacional, entre 6 milhões e 8 milhões de unidades, ainda é elevado.
Avaliações distintas à parte, o fato é que o setor imobiliário vive o seu melhor momento na história recente. Bancos discutem alternativas de recursos para bancar a expansão. Hoje, a maior parte do dinheiro para financiar imóveis vem da caderneta de poupança (cerca de 70%), mas essa fonte deve se esgotar, dependendo da instituição financeira, em 2011.
Em 2009, 302,7 mil unidades foram financiadas com os depósitos da caderneta, em um total de R$ 34 bilhões. Nem na época do finado Banco Nacional da Habitação (BNH), nos anos 80, tantos imóveis foram vendidos por meio de empréstimos no país.
A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), lista fatores que explicam o desempenho recente e as boas perspectivas concretizadas em 2010. Em primeiro lugar, a segurança jurídica, obtida com a mudança da legislação promovida em 2004: intituiu-se o mecanismo de alienação fiduciária, que facilita a retomada do imóvel em caso de inadimplência. Em segundo, o alongamento dos prazos de financiamento para até 30 anos, que permitiu a redução das prestações mensais. Terceiro, a estabilidade da economia. De um lado, essas condições mais estáveis abriram caminho para a queda dos juros. De outro, elevaram o poder aquisitivo da população (ascensão de 28 milhões de brasileiros à classe C), o que reduz o calote e a probabilidade de inadimplência. Um fator mais recente é o programa do governo “Minha Casa, Minha Vida”.
Nesse ambiente macroeconômico mais líquido, os bancos privados, que sempre foram reticentes em investir no mercado imobiliário, mostram-se com grande apetite.
Se antes era aventado por apenas alguns economistas mais atentos, agora existe ares de que o Brasil está, com certeza, numa bolha imobiliária que se infla a cada dia. Não pode-se afirmar que estamos no início da bolha imobiliária no Brasil ou no meio dela? Realmente ainda não podemos saber. Apenas existem indícios que devem ser estudados com maior profundidade. O fato é que os economistas devem materializar mais estudos sobre o mercado imobiliário brasileiro, correlacionando com a crescente liquidez do mercado financeiro mundial.
O aumento dos preços no mercado imobiliário brasileiro descreve uma situação que é um verdadeiro plágio daquela que ocorreu não apenas nos EUA, mas também na Espanha, na Irlanda e em Portugal. É fato que os grandes bancos brasileiros deixam claro que estão com apetite para buscar a máxima concessão de crédito possível no setor
imobiliário nacional.
A bolha imobiliária brasileira é sentida por qualquer consumidor que está à procura de imóveis. No geral, se fizermos um questionário à população brasileira demandante de imóveis, a resposta provável é de que estes estão muito caros, que os salários não acompanham o ritmo de crescimento dos preços dos imóveis e que as compras são efetuadas apenas porque o crédito ainda está farto e porque há alongamento dos prazos de pagamento.
Em 7 anos, o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) cresceu quase 63% e o crescimento do rendimento médio real efetivo dos salários das pessoas brasileiras ocupadas[1] total cresceu apenas 22,65%. Não há uma relação de equilíbrio de longo prazo, ou cointegração, entre o INCC e o rendimento médio real efetivo dos salários. Isso realmente justifica que o mercado imobiliário inflou seus preços, começando, portanto, o processo de formação de bolha imobiliária no mercado brasileiro, pela expansão do crédito na economia.
Os preços no setor imobiliário brasileiro se expandem há anos consecutivos, fruto da crescente liquidez, expansão do crédito interno e déficit imobiliário. Muito embora a taxa de crescimento dos preços do setor imobiliário perdeu para o índice Bovespa nos últimos anos (Dezordi, 2010), é evidente que existem bolhas no mercado de ativos, seja de ações, seja nos imóveis.
Com uma possível nova crise internacional, advinda de pressões no mercado de dívidas soberanas de países periféricos europeus ou da falta de recuperação da economia americana, é muito provável que o crédito no mercado brasileiro possa parar de crescer ou crescer a taxas menores que observamos atualmente, significando, portanto, a falta de suporte para a continuidade do processo de aumento dos preços dos ativos imobiliários no Brasil.
A cada dia, a população brasileira residente nas capitais começa a perceber os preços estratosféricos que alguns determinados tipos de imóveis estão atingindo, principalmente em algumas capitais brasileiras (Brasília[2] , Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre). Começam a perceber que as parcelas poderão não ser pagas num futuro próximo, pelo estrangulamento dos salários em relação aos créditos tomados (setor imobiliário, automobilístico e consumo cotidiano, por exemplo), caso existam uma inversão da taxa de desemprego para níveis próximos a 10% (situação que pode ocorrer caso exista uma nova crise financeira mundial).
No prédio em que resido, na zona norte de Curitiba, um apartamento que custava
R$ 90.000,00 em maio de 2007 está sendo vendido hoje por R$ 120.000,00 - valorização de quase 30%, sem que absolutamente nada tenha sido feito no prédio. Nas capitais citadas, é rotina o agente econômico comprar o apartamento ainda na planta apenas para revendê-lo um ou dois anos mais tarde, certo de que a única trajetória possível para o preço é o estado caótico positivo, em direção certa para o céu. No Rio de Janeiro também ocorre esse fenômeno, embora a justificativa típica seja as Olimpíadas (que ocorrerão daqui a 6 anos). Em Florianópolis, a bolha mais visível está no custo dos terrenos, sendo que o CUB (Custo Unitário Básico da construção) aumenta em ritmo menor.
Os sinais da bolha imobiliária brasileira estão por todos os lados. Mas, como a bolha imobiliária brasileira iniciou? Toda bolha, independentemente do setor em que se forma, tem uma causa: aumento da oferta monetária, principalmente quando este aumento ocorre pela redução constante da taxa básica de juros. E de fato, apesar do Brasil aumentar a SELIC em 2010, ao longo de anos a taxa de juros manteve a trajetória de queda. Tomamos como base o ano de 2003, que foi quando a taxa SELIC atingiu o maior valor do governo Lula. Em março daquele ano, ela estava em 26,5% a.a. Em julho de 2009, ela já estava em 8,75% a.a, permanecendo nesse nível até o início de 2010, quando então houve sucessivos aumentos até chegarmos aos atuais 10,75% a.a. Como consequência, a base monetária e os agregados monetários M1, M2 e M3 se expandiram em ritmo veloz (altas taxas de crescimento). De maio de 2003 até o final de outubro de 2010, a base monetária aumentou 142%; o M1, 172%; o M2, 213%; e o M3, 216%.
Traduzindo: em menos de 7 anos, a base monetária, o M1, o M2 e M3 expandiram-se fortemente. Cédulas de 100 reais, em 2003 eram raras na economia brasileira. Hoje são mais comuns. A cédula de 1 real foi retirada de circulação.
Quando há essa expansão monetária, grande parte do dinheiro é direcionada para
aqueles setores que, dependendo do cenário econômico, são os que mais prometem retornos. No Brasil, o dinheiro foi maciçamente para a bolsa de valores e para o setor imobiliário. Os dois ativos estão mais uma vez inflados. O preço das ações no mercado financeiro diria que está até mais inflado que o setor imobiliário. O fato é que ambos estão inflados e existe um processo novamente de bolhas no mercado de ativos, agora nos países emergentes como o Brasil.
Em 2003, por exemplo, o índice Bovespa chegou a bater na mínima de 9.994,80 em 26 de fevereiro. Desde então ele passou a subir continuamente, até atingir o recorde de 73.516,81 no dia 20 de maio de 2008. Em 5 anos, as principais ações negociadas na Bovespa valorizaram 635%. (Hoje, dois anos após a turbulência do final de 2008, o índice está beirando os 68 mil pontos).
O mercado financeiro é um setor diariamente noticiado. Por ser constantemente observado, ninguém estranha suas variações, que são típicas. E quando há uma valorização constante das ações, todo mundo acha ótimo e acaba entrando no jogo.
No mercado imobiliário a bolha somente é notada quando os preços dos imóveis começam a atingir níveis que a população, no geral, sabe ser infundados. Enquanto isso não ocorre, ele raramente desperta a atenção nacional. Mas os sinais nos últimos dois anos, em 2009 e 2010, estão mais claros.
Dados do Banco Central do Brasil mostram que, dentre todos os empregos do setor privado, indústria de transformação, comércio, serviços e construção civil, foi exatamente o setor da construção civil que apresentou a maior expansão em 2010. De dezembro de 2003 a setembro de 2010, o emprego formal no setor de construção cresceu quase 80%, o emprego na indústria de transformação cresceu 31% e o emprego total cresceu 36%.
Enfim, quando tudo isso ocorre, é sinal de que a bolha está em processo de crescimento, bem inflada e até mesmo beirando a manutenção de um preço constante para os próximos períodos. E, assim como qualquer plástico contendo ar, quanto mais inflada ela estiver, maior será a intensidade do estouro quando este acontecer.
A pergunta que fica é: quando a bolha imobiliária brasileira vai estourar? Obviamente, é impossível e irresponsável precisar uma data certa e específica. É fato que aumentaram as probabilidades de uma nova crise financeira internacional, advinda dos países europeus e/ou dos Estados Unidos. É fato que o Brasil enfrentará problemas para cointegrar a taxa de crescimento dos salários do pessoal ocupado, a taxa de crescimento dos indicadores de preços do setor imobiliário (como o INCC), a relação da taxa de crescimento do crédito em relação aos salários dos trabalhadores e o crescente endividamento das famílias de classe média em relação as suas rendas.
A bolha imobiliária deve ser discutível nos próximos períodos e até mesmo pode ser uma agenda de pesquisa e de inspiração para economistas, para, quem sabe, evitar antes do fim do próximo governo, em 2014, até no máximo a Olimpíada de 2016, o fenômeno de deflação dos preços dos ativos, incluindo então os preços dos ativos imobiliários.
Mises e Hayek deixaram claro que quando a bolha gerada pela expansão monetária se inicia, essa expansão monetária tem de, no mínimo, manter o mesmo ritmo ou até se acelerar para que a bolha continue se formando. Qualquer desaceleração mais prolongada na expansão do crédito irá arrefecer essa bolha. Assim, se uma economia sofreu uma forte expansão do crédito durante certo tempo (que é o caso da economia brasileira) e se essa expansão deu surgimento a uma ou a várias bolhas, essa expansão terá de se dar a taxas cada vez maiores para impedir que essa bolha desinfle. Não é necessário que o crédito se contraia; basta que ele cresça a uma taxa menor e a bolha deixará de inflar ou até mesmo começará a desinflar. Alternativamente, basta ter um desemprego maior nos próximos períodos (dos atuais 6,1% para 10%), advindas da importação da crise financeira internacional, para então aumentar a inadimplência daqueles que estão pagando suas parcelas em suaves prestações (normalmente aqui no Brasil a taxas pré-fixadas).
Nos EUA, a bolha começou a formar-se em 1997. Com a recessão que se iniciou no final de 2000 e com os ataques de 11 de setembro de 2001, a taxa básica de juros da economia americana caiu de 6,5% para 1%, ficando nesse nível até meados de 2004, quando o FED iniciou o processo de elevação dos juros até atingir 5,25% a.a. em junho de 2006. Durante esse intervalo de tempo, com juros excepcionalmente baixos, houve a maior fase de expansão da bolha imobiliária no mercado subprime americano.
Os juros permaneceram em 5,25% de junho de 2006 até o final de 2007, exatamente quando todos os problemas no setor ficaram explícitos. A elevação dos juros que secou o crédito e estourou a bolha. Portanto, baseando-se na teoria, e apoiando-se no pressuposto de que existe uma bolha imobiliária brasileira em franca formação e expansão, podemos dizer que a nossa bolha vai ser arrefecida ou estourada enquanto o FED manter a taxa de juros da economia americana próxima de zero, aliado a política do Banco Central do Brasil de subir os juros. Esse “TNT” causaria uma contração geral do crédito no Brasil quando o mercado internacional sofrer uma nova crise (que de fato pode ocorrer).
No final de 2008 e início de 2009, houve uma forte contração do crédito no Brasil, devido à crise financeira internacional. Pela teoria, tal evento deveria ter debelado a nossa bolha imobiliária. Porém, a valorização dos imóveis no Brasil passou incólume porque houve intervenção do governo, que além de criar o programa “Minha Casa, Minha Vida”, também colocou em ação seus bancos estatais para manter o crédito farto para o setor.
Essa ação foi excelente para as construtoras, por exemplo, e, de modo geral, para a economia brasileira. Todo esse incentivo artificial a um setor significa que recursos estão sendo retirados de outros setores e desviados para este. Como os recursos são escassos, a tendência é que os custos subam. E é esse aumento de custos que vai alimentando a bolha, e ocorre até o ponto em que os custos superam o retorno esperado. É nesse ponto que os investimentos se revelam mal direcionados e excessivos. Um exemplo, nesse aspecto, é que os preços dos aluguéis dos imóveis no Brasil não estão com uma rentabilidade atrativa em comparação a outros tipos de renda fixa. É um indício de que os preços dos imóveis devem cair no futuro próximo ou que, alternativamente, os preços dos aluguéis devam subir para elevar a rentabilidade sobre o capital investido no setor imobiliário. Como as taxas de crescimento dos preços dos aluguéis (inflação) subiram mais do que a taxa de crescimento dos salários do pessoal ocupado no Brasil, mais uma vez temos que pode haver um aumento do endividamento das famílias em relação aos salários que recebem. E a expansão do crédito, novamente, é o motor para retroalimentar os preços dos imóveis.
Traduzindo a teoria para a nossa realidade, os preços dos imóveis e os aluguéis estarão maximizados e cotados a preços que a população brasileira não poderá pagar. Isso fará com que os preços, tantos dos imóveis, quanto de aluguéis, tenham de cair para
que possam ser negociados. A principal consequência disso é que os bancos que financiaram o crédito imobiliário terão prejuízos, assim como as construtoras. Caso o governo queira evitar essa queda de preços, ele terá de fazer o que vem fazendo: facilitar o crédito e subsidiar. Mas os preços estão tão altos que simplesmente, nos próximos períodos, não haverá compradores. Uma solução seria recorrer ao alongamento da dívida ou ao artifício das prestações mensais de 30 anos a juros baixos. Mas isso só seria possível se a SELIC estivesse constantemente baixa, algo que o mercado financeiro não prevê para 2011 (previsões do Boletim Focus mostram SELIC em torno dos 12% a.a).
O governo americano, desde 2008, vem fazendo de tudo para evitar que os preços dos imóveis caiam ainda mais, pois isso é prejudicial para os bancos, que possuem esses imóveis como ativos em hipotecas ainda sob execuções judiciais. Se os ativos se depreciam, o patrimônio dos bancos encolhe. O estouro da bolha imobiliária brasileira foi artificialmente impedido em 2009. Foi impedida de romper e ainda inflou-se com mais vigor em 2010.
Outra pergunta inevitável: se o Brasil está realmente numa bolha imobiliária adiantada e bem inflada e ela estourar, as consequências serão iguais àquelas dos EUA? A resposta é não. O que aconteceu nos EUA foi uma completa anormalidade, possibilitada pelo nível de intervenção do governo tanto no setor bancário - haviam políticas que obrigavam os bancos a conceder hipotecas a pessoas com histórico de crédito ruim, quanto no setor imobiliário (Fannie Mae e Freddie Mac), além da própria intervenção no setor monetário, por meio da taxa de juros manipulada pelo FED. Tudo isso fez com que a parcela da economia voltada para o setor imobiliário se agigantasse enormemente, fazendo com que grande parte da própria riqueza americana estivesse ligada ao setor.
A situação chegou a tal ponto que, quando o sujeito perdia o emprego, ele simplesmente comprava um imóvel e ganhava a vida com sua valorização. Como isso funcionava? Ele ia ao banco, arrumava um empréstimo (fácil, mesmo sem emprego) e fazia o pagamento de entrada. Teoricamente, ele deveria pagar juros mensais por essa hipoteca, mas como o preço do imóvel se valorizava cada vez mais, o cidadão conseguia negociar junto ao banco novos empréstimos, tendo como caução a valorização do imóvel. Assim, ele atingia a mágica de ficar rico (na verdade, endividado) sem ter qualquer fonte de renda. Como ele achava que seu imóvel iria se valorizar perpetuamente, ele não precisava se preocupar em pagar sua dívida junto ao banco - isso até o dia em que o preço do seu imóvel começou a cair e ele percebeu que sua dívida era
impagável.
A menos que nossa economia chegue a esse ponto, girando majoritariamente em volta do setor imobiliário, não há motivos para imaginar que nossa bolha, quando estourar, trará consequências igualmente danosas. Enquanto o estouro da bolha imobiliária não vem, é possível ganhar bastante dinheiro nesse setor. Basta, para quem tem liquidez, jogar e ter o tempo correto da hora de sair.
REFERÊNCIAS
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DEZORDI, L. L. Desempenho e projeções no preço médio dos imóveis em Curitiba: apartamentos de 1 a 4 quartos. Disponível em: <|conteudo&id_conteudo=812>.
GURIA, A.Changing for the better: making reform happen in the aftermath of the crisis.
Disponível em: <http://document/5/0,3746,en_ 21571361_44315 115 _
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MEIRELLES, H. Avaliação do risco Brasil. In: Seminário sobre reavalia ção do risco Brasil da Funda ção Getúlio Vargas , 2010. Disponível em: <http:// >.
ONU. UNDESA policy brief. n. 30, 2010. Disponível em: < >.
ONU. Global Economic Outlook. 2010. Disponível em: < policy/link/ presentations10/ >.
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docs/55462405/IMFC-Statement-by-Supachai-Panitchpakdi-Secretary-General-United-Nations-Conference-on-Trade-and-Development>.
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[1]Série 10790 do Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central.
[2]Basta uma pesquisa pela internet para descobrir, por exemplo, que em Brasília e São Paulo há apartamentos de apenas um quarto sendo vendidos pela barganha de R$ 500.000,00.
FONTE: SITE DA ANOREG/BR