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Sexta, 14 de Janeiro 2011

1ª Vara Cível da Comarca de Marília determina retificação em assento de nascimento em virtude de cir

Conclusão

Nesta data, faço estes autos conclusos a Meritíssima Juíza de Direito da Egrégia Primeira Vara Cível da Comarca de Marília, Estado de São Paulo, Doutora Paula Jacqueline Bredariol de Oliveira.

Marília, 15 de dezembro de 2010.

Luiz Aparecido Molari
Matrícula TJ nº 304.093

Autos nº 2017/2010
Vistos

Felipe Marangão Galdino de Carvallho, qualificado nos autos, ajuizou a presente ação de Retificação de Assento, alegando, em suma, que desde o falecimento de sua mãe, foi criado pela sua avó materna, Senhora Olga Maria Loureiro Morato Marangão, quem lhe dedicou todo amor e carinho. Alegou que desde sua infância sempre manteve conduta de pessoa do sexo feminina, inclusive intitulando-a pelo nome de Amanda. Alegou, ainda, que realizou tratamento psicológico e realizou várias cirúrgicas, inclusive para a redesignação do sexo para reestruturação de sua genitália. Assim sendo, pleiteia a modificação de seu nome para Amanda Marangão Galdino de Carvalho, do sexo feminino e a retificação de seu nome perante a Delegacia da Receita Federal.

Com a petição inicial, vieram os documentos juntados às fls. 11/34.

O Ministério Público opinou pela procedência do pedido (fls. 40/42).

É o relatório.

Decido.

¿É função da jurisdição, encontrar soluções satisfatórias para o usuário, desde que não prejudiquem o grupo em que vive, assegurando a fruição dos direitos básicos do cidadão¿.

O pedido merece procedência.

No caso presente, ligada à pretensão da parte autora à concepção clássica da ideia de Justiça está a célere comparação feita por Aristóteles entre a equidade e a régua de Lesbos (a régua adapta-se à forma da pedra e não é rígida, exatamente como a Lei que se ajusta aos fatos). É a equidade a adaptação da norma à situação de fato, com atenuação do rigor e da rigidez da lei, pois a sua aplicação, crua e simples, pode revelar-se de uma dureza de manifesta injustiça, conduzindo a uma inconveniência, a um absurdo, a uma iniquidade...

À Toda as criações da natureza são iguais. Todas as ações cruéis, piedosas ou indiferentes são iguais. Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa. Não é igual a nada. Todo ser humano é um estranho ímpar. (Carlos Drummond de Andrade)

Não é crível que a questão envolvendo o transexualismo seja solucionada apenas na área medicinal e que o Direito cerre os olhos ao tema, numa atitude cômoda e ortodoxa, totalmente alheios à realidade das coisas...

É o que acontece no caso dos autos. O autor nasceu homem e assim foi registrado, em razão apenas da aparência física (genitália). Entretanto, provado restou que, psicologicamente, o autor sempre foi ¿a autora¿. Suas atitudes, diárias, sempre foi de mulher: comportamento, vestimentas, companheiros, acabando por desaguar na cirurgia que o transformou, com perfeição, em mulher, conforme se vê pela fotografia juntada à f.12.

Verifica-se pelo documento de fl.17, datado de 30 de junho de 2010, que a psicóloga confirmou que o autor ¿cumpriu o período de acompanhamento psicológico para realizar a cirurgia CID 564 de readequação genital¿.

Por outro lado, o Laudo de Exame Físico juntado às fls.15/16, emitido pelo Doutor Jalma Jurado ¿ CRM 9867, concluiu pela Exame Físico: ¿que o autor apresenta-se com vestimentas, hábitos, comunicação, postura e desenvoltura perfeitamente femininas. Ao exame físico objetivo soma sua conformação e caracteres sexuais secundários são compatíveis com a linha feminina, incluindo cabelos, distribuição pisola corpórea, fascies e diâmetros e escapulares e pélvicos¿.

O laudo de Exame Físico realizado após a cirurgia que ¿os tecidos escrotais foram reduzidos e saturados ao redor da neovagina assemelhado os lábios vaginais. Na área pubiana o tecido cutâneo teve sua gordura removida e fixado imitou a depressão da comissura vaginal superior¿.

Portanto, não há como negar a pretensão da parte autora, diante dos fatos apresentados nestes autos. O autor já é, agora, também fisicamente mulher. Com último estágio na procura de sua identidade pretende, agora, modificar, no assento próprio, o nome e o sexo. Esta última barreira, jurídica, não pode ser obstáculo a tanto.

Nesse sentido, a doutrina de Luiz Alberto David Araújo (¿A Proteção Constitucional do Transexual¿, Ed. Saraiva, 2000, p.135) que:

¿Realmente, o casamento só poderia ocorrer entre pessoas do sexo oposto, nos termos do art. 180 do Código Civil. Mas qual o conceito de sexo que devemos adotar? O sexo biológico? O sexo psicológico? O sexo gonadal? Enfim, se há vários conceitos, porque devemos utilizar o biológico? E, ademais, há o reconhecimento médico da necessidade da cirurgia, já que o paciente tem tendência para o sexo diferente do biológico, ou seja, para a mudança de sexo. Portanto, diante do conflito, por que não afirmar, no caso, que o individuo pertence ao sexo para o qual foi operado? Realmente, sabemos que, internamente, a constituição física do individuo operado continua a mesma, ou seja, mantém seu sexo de origem. Mas a sociedade está preocupada com o sexo de origem do individuo, ou ele tem direito a uma nova vida, integrado socialmente, participando integrativamente, de forma saudável? Ou deve sempre trazer consigo a situação de ¿transexual¿?¿

E mais adiante:

¿Se o Estado concorda com a cirurgia, por entendê-la necessária, uma vez que tem a responsabilidade do acompanhamento médico, seria melhor deixar de anotar a transexualidade no documento, respeitando o sexo psicológico, já definido pela cirurgia de redesignação sexual? Concordar com a cirurgia, mas não definir a situação do operado, é o mesmo que abonar, dar fiança, sem cumprir com a obrigação de quem concorda com a verdade dos fatos.

O argumento geralmente utilizado é o de que poderia haver casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas não serão do mesmo sexo e se admitir outras classificações para este, como a psicológica, por exemplo. No caso, o transexual tem apenas o sexo biológico, que já foi alterado em conformidade com o seu sexo psicológico. Este sim, forte e determinante, já foi objeto de decisão médica, acompanhada de equipe multidisciplinar, para a conclusão da cirurgia.¿

A Constituição Federal de 1988, apesar de não conter uma cláusula geral expressa destinada à tutela ampla dos direitos da personalidade, absorveu, em seu Título I, em que são expostos princípios fundamentais do Estado brasileiro, a doutrina geral da personalidade, protegendo a dignidade da pessoa humana e garantindo a prevalência dos direitos fundamentais do homem.

Considerando que o ser humana vive em sociedade, fazendo parte integrante de uma comunidade de personalidades, à origem jurídica incumbe, portanto, outorgar a todo ser humano a qualidade de sujeito de direito e uma esfera de autonomia de vontade em suas relações sociais. Nisto consiste o direito da personalidade.

A tutela da personalidade, sob todos os seus aspectos, e a garantia de que todo ser humano leve sua vida com pleno desenvolvimento e com igualdade de oportunidades, exigem a existência, no direito positivo, de uma cláusula geral de proteção da personalidade.

Assim, a Carta Magna de 1988 reconhece a existência de um direito geral ao livre e pleno desenvolvimento da personalidade humana, negar ao portador de disforia do gênero o direito à adequação do sexo morfológico e o sexo psicológico e a consequente redesignação do estado sexual e o prenome no assento de nascimento acaba por afrontar a lei fundamental.

No caso dos autos, o autor já se submeteu a intervenção médica que resultou na extirpação dos órgãos sexuais externos, do sexo masculino, e na construção cirúrgica de um simulacro do órgão sexual feminino, a neovaginoplastia, de modo a permitir-lhe a prática do coito vagínico; se ostenta ele, agora, ainda por força de ingestão de hormônios, as principais características morfológicas de uma mulher (cabelos longos, ausência de barba, etc...), insistir em manter, sem seu assento de nascimento (e consequentemente em seus documentos pessoais), a indicação de prenome e estado sexual que não correspondem, em absoluto, à maneira como aparece em suas relações com o mundo exterior, significa condená-lo a uma situação de incerteza, angústias e conflitos, impedindo-o, ou ao menos dificultando-lhe o exercício das atividades de seres humanos, negando-lhe o direito da cidadania.

Por conseguinte, diante do problema humano retratado nos autos, a solução que melhor se harmoniza com os preceitos constitucionais é a acolhida integral da pretensão inicial.

posto isto e considerando o mais que dos autos consta, julgo procedente o pedido para, com fundamento no artigo 5º, X, da Constituição Federal e artigo 55, parágrafo único, c.c. artigo 109 da Lei nº 6.015/73, determinar as modificações almejadas na inicial para que o autor passe a chamar-se ¿AMANDA MARANGÃO GALDINO DE CARVALHO¿, de sexo ¿FEMININO¿.

Oportunamente, expeça-se o mandado ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Garça e a Delegacia da Receita Federal para as modificações necessárias, arquivando-se os autos.

P.R.I.C.

Marília, 17 de dezembro de 2010.

Paula Jacqueline Bredariol de Oliveira
Juíza de Direito

Fonte : Assessoria de Imprensa

Data Publicação : 13/01/2011


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