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Segunda, 05 de Abril 2010

Apelação. Reconhecimento dissolução união estável. Artigo 1.723 e seguintes. Código civil.

Número do processo: 1.0024.06.220606-5/006(1) Númeração Única: 2206065-74.2006.8.13.0024

Relator: KILDARE CARVALHO

Relator do Acórdão: KILDARE CARVALHO

Data do Julgamento: 04/02/2010

Data da Publicação: 16/03/2010

Inteiro Teor:

EMENTA: APELAÇÃO - RECONHECIMENTO / DISSOLUÇÃO -UNIÃO ESTÁVEL - ARTIGO 1.723 E SEGUINTES - CÓDIGO CIVIL - REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS - RELACIONAMENTOS SIMULTÂNEOS - COMPANHEIRO CASADO - IMPEDIMENTO - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.521 - CÓDIGO CIVIL - SENTENÇA ém-se a sentença que julga improcedente o pedido inicial contido em ação de reconhecimento/dissolução de união estável se, pelos elementos carreados ao processado, não se pode aferir o preenchimento dos requisitos necessários à configuração daquele instituto, à luz do disposto nos artigos 1.723 e seguintes, do Código Civil, não bastasse o impedimento legal para o reconhecimento da relação, conforme expressamente previsto no artigo 1.521, VI, do Código Civil.Recurso não provido.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.06.220606-5/006 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): M.C.T. - APELADO(A)(S): E.S.C. F.S.C. E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. KILDARE CARVALHO

ACÓRDÃO

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador KILDARE CARVALHO , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 04 de fevereiro de 2010.

DES. KILDARE CARVALHO - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. KILDARE CARVALHO:

VOTO

Dei a merecida atenção à sustentação oral que acaba de proferir o ilustre Advogado. Trago voto escrito e passo à sua leitura.

M. C. T. apela da r. sentença de fls. 679/688, que julgou improcedente o pedido inicial contido nos autos da ação de reconhecimento e dissolução de união estável movida em desfavor de E. S. C. e outros, herdeiros de G. C. B.

Inconformada, aduz a recorrente, em síntese, ter vivido, por onze anos ininterruptos, em união estável com o senhor Gilberto, o qual se encontrava separado de fato de sua esposa há, aproximadamente, 20 (vinte) anos, tendo o aludido relacionamento, público, duradouro e contínuo, terminado em razão da morte do suposto companheiro; a prova testemunhal produzida na instrução é uníssona em afirmar a existência da união estável cujo reconhecimento se pretende. Requer, portanto, a reforma da sentença para que se julgue procedente o pedido inicial, reconhecendo-se a união estável buscada.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos para sua admissão.

Versam os autos sobre ação de reconhecimento e dissolução de união estável movida por M. C. T. em desfavor de A. S. C., E. S. C. e F. S. C., esposa e filhos, respectivamente, do falecido senhor G. C. B.

Para sustentar seu pedido, consistente no reconhecimento e dissolução de união estável supostamente havida com o de cujus, para fins de pensão previdenciária e habilitação em inventário, narrou a autora, em sua peça vestibular, que o falecido era separado de fato há mais de 20 (vinte) anos; a relação cujo reconhecimento se buscas durou onze anos, só vindo a ser extinta pela morte do companheiro; durante o período de convivência constituíra patrimônio comum, consubstanciado em dinheiro aplicado em caderneta de poupança; o relacionamento em questão era público, notório e duradouro; os filhos de seu companheiro não aceitavam reconhecer o relacionamento.

Ao fundamento de restar configurado impedimento previsto no artigo 1.521, do Código Civil, o pedido inicial foi julgado improcedente, ocasionando, assim, a interposição do presente apelo, que, a meu ver, não merece acolhida.

Como se vê, a questão trazida à apreciação desta Instância Revisora cinge-se à análise da existência, ou não, de união estável havida entre a autora M. C. T. e G. C. B.

Pois bem.

A Constituição da República, em seu artigo 226, § 3º, elevou a união estável ao status de entidade familiar, garantindo-lhe, assim, o reconhecimento perante a ordem jurídica pátria. Confira-se, pois, o Texto Constitucional:

"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."

Ao regular o dispositivo constitucional, o Código Civil assim estabelece em seu artigo 1.723:

"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de família."

Mais adiante, o mesmo Código preceitua em seu artigo 1.724:

"Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

A uma simples leitura das normas acima transcritas, verifica-se que o reconhecimento de uma união estável está, invariavelmente, condicionado à materialização do intuito das partes em constituir uma família, alvo da proteção por parte do Estado.

Para tanto, tenho por necessária uma breve conceituação do termo família.

Segundo o Dicionário Aurélio, dentre as várias concepções do instituto ali previstas, destaco duas que se amoldam ao presente caso:

"1) Pessoas aparentadas, que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente, o pai, a mãe e os filhos.

2) Pessoas unidas por laços de parentesco, pelo sangue ou por aliança." (in Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Rio de Janeiro, 1999. Nova Fronteira, 3 ed, revista e ampliada.)

Ultrapassada a mera conceituação gramatical, resta um conceito jurídico para o termo família, indispensável para a configuração do instituto da união estável.

Neste diapasão, tenho por oportuna a lição de Rodrigo da Cunha Pereira, verbis:

"Assim, para entender união estável é fundamental compreender, antes, o que é família. É que o interesse do Estado é dar proteção às entidades familiares.

O delineamento do conceito de união estável deve ser feito buscando os elementos caracterizadores de um 'núcleo familiar'. É preciso saber se daquela relação nasceu uma entidade familiar. (...) É o conjunto de determinados elementos que ajuda a objetivar e a formatar o conceito de família. O essencial é que se tenha formado com aquela relação afetiva e amorosa uma família, repita-se. Os elementos intrínsecos e extrínsecos, objetivos e subjetivos, em cada caso concreto, são os que nos ajudarão a responder se ali está caracterizada, ou não, uma união estável." (in Direito de Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte, 2005. Del Rey; 4 ed. rev. e atual. p.221)

Volvendo à realidade dos autos, tenho que razão não assiste a apelante, merecendo, por isso, ser mantida, in totum, a r. sentença, pelos motivos que passo a expor.

De início, imperioso ressaltar que a pretensão da autora (apelante) é expressamente vedada pelo ordenamento jurídico, o que se depreende da leitura do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, in verbis:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.'

A propósito, confira-se o disposto no artigo 1.521, do mencionado codex:

Art. 1.521. Não podem casar:

(...);

VI - as pessoas casadas;'

E como se colhe dos autos, resta induvidoso o fato de que o pretenso companheiro da apelante era, de fato e de direito, até a data de seu falecimento, casado com a senhora A. S. C., aqui apelada.

Como se pode observar, a apelante sustenta suas razões, essencialmente, na prova testemunhal e na farta prova documental juntada, consistente em diversas (inúmeras) declarações acerca da suposta união havida com o falecido G. C. B., bem como sobre o estado de casado ostentado pelo falecido.

Todavia, analisando detidamente a vasta documentação carreada ao processado, tenho-a por inconsistente - ou mesmo insuficiente - para desconstituir o impedimento previsto no artigo 1.521, IV, do Código Civil, veementemente sustentado pelos réus, e reconhecido pelo julgador de origem.

A propósito, oportuno ressaltar os fundamentos dos quais se valeu o julgador de origem para, após apresentadas contestações ao feito, indeferir o pedido de tutela antecipada formulado pela autora. Confira-se (fls. 348):

'1. Compulsando os autos verifico pela documentação juntada pelos Réus, que algumas declarações de terceiros juntados pela Autora, com sua peça inicial, foram refutadas, através de outras declarações das mesmas testemunhas, dizendo nestas que o que declararam de início não condizia com a realidade dos fatos, e que o fizeram após pedido da Autora que justificou a necessidade para efetivar transações bancárias, quitando contas a pagar do falecido.

Pela controvérsia estabelecida com a contestação e documentação que instrui o feito, entendo que não há, até a presente data, verossimilhança das alegações e nem mesmo perigo de dano caso a tutela antecipada não seja concedida.

Assim, diante da ausência de provas inequívocas de verossimilhança, havendo, aliás, bastante prova que contradiz o que foi alegado em início, indefiro a tutela antecipada.'

Ora, não se desconhece, aqui, tratar-se a decisão supra transcrita, tão-somente, de decisão interlocutória, por meio da qual foi indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Entretanto, de igual forma não se pode desconsiderar o fato de que, ainda que em sede de pedido de antecipação dos efeitos da tutela pretendida, as provas até então carreadas são - como acima dito - essencialmente, as mesmas nas quais sustenta a apelante o seu pedido.

Ora, após leitura atenta de tais documentos (declarações), não há como refugir ao entendimento firmado pelo julgador de origem quanto à controvérsia instaurada no feito acerca da existência - ou não - da pretendida união estável, bem como se o falecido era, ou não, casado com a senhora A. C. S.

Diante, pois, da controvérsia instaurada no feito, como alhures demonstrado, não logrou a autora (apelante) êxito em se desincumbir do ônus da prova que lhe cabia, à luz do disposto no artigo 333, I, do Código de Processo Civil.

Com efeito, não se pode refugir ao comando do artigo 1.723, § 1º, c/c artigo 1.521, VI, ambos do Código Civil, segundo o qual não podem constituir união estável as pessoas casadas.

Após, portanto, detida análise do feito, composto por 4 (quatro) volumes, e atento às considerações acima tecidas, entendo que os elementos constantes do processado não têm o condão de demonstrar a configuração da alegada união estável, ou mesmo sustentar a sua existência.

Isto porque, embora não se desconheça a relação havida entre a apelada e o de cujus, tal situação, somada aos demais elementos trazidos, não é suficiente para se afirmar que dito relacionamento teve por objetivo a constituição de família e, principalmente, que esta relação foi norteada pelos deveres de lealdade, respeito e assistência, como determinado pela legislação vigente.

Soma-se a isto o teor dos depoimentos colhidos durante a instrução do feito, os quais não permitem, em hipótese alguma, a conclusão no sentido de que o falecido G. B. C, não bastasse ser legalmente casado, mantinha com a autora um relacionamento nos moldes exigidos pela legislação para que se configurasse uma legítima união estável, de maneira a autorizar a procedência do pedido inicial formulado pela autora.

Diante de tal cenário, há de ser mantida a sentença recorrida se, ao que tudo indica, o relacionamento havido entre a autora (apelante) e o marido e pai dos recorrentes não passou de uma relação, em princípio, profissional, a despeito de ter ser sido o de cujus devida e legalmente casado com a senhora A. S. C., situação esta mantida, à míngua de provas em sentido contrário, até a morte do suposto companheiro.

Vale dizer, sem desconsiderar o fato de ter sido o instituto da união estável elevado à categoria de entidade familiar, reconhecida e regulamentada pelo ordenamento jurídico, não se pode deixar de observar, pela própria disposição da redação do artigo 226, da Lei Maior, que o casamento precede àquele instituto. Vejamos:

'Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.'

Posto isso, nego provimento ao apelo.

Custas recursais pela apelante, cuja exigibilidade fica suspensa, nos termos do artigo 12, da Lei nº 1.060/50.

O SR. DES. SILAS VIEIRA:

VOTO

Sr. Presidente, eminentes Pares.

Estive atento à sustentação oral produzida da tribuna pelo ilustre Advogado. Tive vista dos autos, fiz o exame destes e cheguei à mesma conclusão a que chegou V. Ex(., inclusive posso adiantar que não restou, a meu ver, demonstrada a alegada união estável, até porque o art. 1723, (1(, c/c o art. 1528, VI, ambos do Código Civil, são taxativos e, segundo eles, não podem constituir união estável as pessoas casadas. No caso, está demonstrado que o de cujus era casado, situação que permaneceu inalterada.

Acompanho V. Ex(.

O SR. DES. DÍDIMO INOCÊNCIO DE PAULA:

VOTO

Sr. Presidente.

Também ouvi com atenção a explanação feita da tribuna. Agradeço as referências feitas à minha pessoa e no que concerne ao julgamento, não tenho nada a acrescentar ao voto que V. Ex(. proferiu, negando provimento, uma vez que não é possível a prova testemunhal desconstituir a norma legal.

SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO.

Fonte: TJMG
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