A isenção foi realmente ampliada pela Receita Federal?
Recentemente, a Receita Federal do Brasil publicou a Instrução Normativa RFB n° 2.070/2022, alterando a Instrução Normativa SRF nº 599/2005, a qual dispõe acerca do Imposto sobre a Renda incidente sobre ganhos de capital das pessoas físicas.
Dentre outras modificações, o novo instrumento normativo passou a prever a isenção do imposto de renda sobre o ganho de capital auferido por pessoa física residente no país nas operações relacionadas à venda de imóvel residencial que tenham como objetivo quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante.
Isto é, caso a pessoa física apure ganho de capital (valor positivo na diferença entre o valor de compra e de venda) na alienação de imóvel residencial e utilize deste valor para a quitação de débito relacionado à compra de outro imóvel adquirido em um momento anterior à venda do atual, estaria apta a gozar da isenção do imposto de renda. Vale mencionar que, atualmente, a alíquota de imposto de renda sobre ganho de capital é progressiva, podendo variar entre 15 e 22,5%.
No entanto, diferente do que se imagina, o instrumento em questão não ampliou a isenção do imposto sobre alienação de imóvel, mas tão somente reconheceu que a Receita Federal possuía, até então, uma interpretação extremamente restritiva acerca do tema. , A antiga redação do artigo 2°, §11 da Instrução Normativa SRF n° 599/2005, continha a previsão de que a isenção não seria aplicável “à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante”.
Ocorre que o artigo 39 da Lei n° 11.196/2005, que dispõe sobre o tema, não traz qualquer restrição que impeça o contribuinte de se beneficiar da isenção do imposto quando o resultado da alienação do imóvel seja utilizado para o pagamento do saldo remanescente relacionado à aquisição de imóvel em momento anterior. Por conta disso, vários contribuintes procuraram a Justiça com o intuito de garantir a isenção do ganho de capital nas hipóteses de utilização do produto da venda para abatimento ou quitação de imóvel anteriormente adquirido, já tendo a matéria sido analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive.
Ao julgar a questão, decidiu o STJ que é ilegal a restrição estabelecida no artigo artigo 2°, §11 da Instrução Normativa SRF 599/2005, sendo a isenção do Imposto de Renda sobre o ganho de capital nas operações de alienação de imóvel também aplicável à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar ou abater financiamento de imóvel adquirido anteriormente.
O posicionamento do STJ [1] pode ser extraído do julgamento do Recurso Especial n° 1.668.268 — SP, realizado em 13 de março de 2018 pela primeira Turma do STJ e de relatoria da ministra Regina Helena Costa: “a lei nada dispõe acerca de primazias cronológicas na celebração dos negócios jurídicos, muito menos exclui, da hipótese isentiva, a quitação ou amortização de financiamento, desde que observado o prazo de 180 dias e recolhido o imposto sobre a renda proporcionalmente ao valor não utilizado na aquisição”.
No entendimento da ministra relatora, “ao pretender finalisticamente fomentar as transações de imóveis, é induvidoso que a ratio da lei prestigiou a utilização dos recursos gerados no próprio setor imobiliário, numa concepção mais abrangente e razoável que a aquisição de um imóvel “novo”, condição esta defendida pelo Fisco, a qual, todavia, ressente-se de previsão legal”.
Neste contexto, ainda que a Receita Federal, por meio da Instrução Normativa RFB n° 2.077/2022, tenha revogado o parágrafo que impossibilitava o contribuinte de se beneficiar da isenção do imposto de renda nesta situação, sob o aspecto jurídico, tal entendimento não trouxe nenhuma inovação, tendo em vista que a Lei n° 11.196/2005 já não restringia a isenção nesta hipótese. Além disso, o STJ já havia consolidado seu entendimento no sentido de que a isenção é aplicável ainda que os recursos sejam utilizados para quitar ou abater dívida decorrente de imóvel anteriormente adquirido.
Não obstante, não se pode deixar de reconhecer o grande avanço da Receita Federal do Brasil ao admitir, mediante a revogação do dispositivo infralegal, que havia extrapolado sua competência regulamentar ao criar restrição inexistente na lei, ainda que tal reconhecimento não signifique, ao final e ao cabo, um benefício novo aos contribuintes, isto é, que já não estava anteriormente assegurado pela Lei n° 11.196/2005.
[1] Neste mesmo sentido, vide AgInt REsp n° 1.612.183/RS, REsp.1.726.884/PR, REsp 1.469.478/SC, REsp 1.612.183/RS, REsp 1.610.052/RJ.
Diogo de Andrade Figueiredo é sócio do Schneider, Pugliese Advogados, doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo e mestre em Direito Tributário Internacional pela University of Florida.
Carla Giuliana Cordaro Vairoletti é advogada do Schneider, Pugliese Advogados e especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Iago Granito é advogado do Schneider, Pugliese Advogados.
Fonte: Conjur