Todos nós temos mídias digitais, livros, músicas, milhas aéreas, pontos no cartão de crédito, assinaturas digitais, jogos, redes sociais…Tudo isto pode virar uma herança digital.
Hoje não precisa ser nenhum blogueiro, youtuber ou movimentar criptomoedas para possuir herança digital.
Todos nós temos mídias digitais, livros, músicas, milhas aéreas, pontos no cartão de crédito, assinaturas digitais, jogos, redes sociais…Tudo isto pode virar uma herança digital.
Não há regulamentação específica quanto ao destino dos bens digitais. Várias propostas de lei foram apresentadas para normatizar a herança digital na legislação brasileira (PL 4.099/12, PL 7.742/17, PL 8.562/17 e PL 1.689/21) porém, apenas o PL 1.689/21 se encontra sob análise e, com varias críticas doutrinárias sobre a violação às normais constitucionais entre a lei de proteção de dados e a intransmissibilidade do direito de personalidade. Assim, permanecendo a herança digital baseada nas jurisprudências e nas atuais leis de sucessão.
A jurisprudência divide a herança digital em dois tipos;
A econômica = que é transmissível aos herdeiros;
A digital existencial ou personalíssima = que não é transmitida aos herdeiros.
Em normas gerais do direito das sucessões afastam a transmissibilidade dos interesses afetos ao direito de personalidade, valores pessoais como redes sociais sem valor expressivo, e-mails, senhas, conversas em WhatsApp, áudios, fotos e vídeos sem valor financeiro.
Dentre os bens incorpóreos de agregado valor econômico são passíveis de transmissão sucessória as criptomoedas, os sites, plataformas que permitem adquirir mídias digitais, os domínios de internet, os livros, músicas, filmes, podcasts, as milhas aéreas, os programas de pontos de bancos pelo uso de cartão de crédito, os cash backs, as assinaturas digitais, as coleção de livros e músicas digitais adquiridos no iTunes, os jogos online em que os jogadores investem dinheiro na melhoria das ferramentas e das vantagens, jogos online com valores acumulados, os perfis pessoais e profissionais que por conta de seu engajamento, alcance e visibilidade atraem publicidades, oferecimento de bens e serviços e as contas do YouTube com milhões de inscritos e visualizações.
Algumas plataformas no ato da adesão têm pedido a indicação nominal prévia de um “contato-herdeiro”, mas informar uma pessoa como herdeira não significa que esta o será. Isto porque, na legislação vigente só se pode privilegiar um herdeiro dos demais por disposição testamentária. E por não haver uma lei especifica sobre o assunto deve-se respeitar a sucessão legitima do Art. 1.829 do Código Civil de beneficiar todos os herdeiros.
Outro problema é avaliar estas fortunas não visíveis, e se possui limite as novas tecnologias com imagens dos falecidos em hologramas nos shows, como aconteceu nos shows do cantor Renato Russo falecido em 1996, vocalista da banda Legião Urbana.
A princesa Leia foi ressuscitada digitalmente no filme Star Wars. O irmão da atriz, Todd Fisher, afirmou que a família autorizou a Disney e a Lucasfilm utilizar imagens gravadas para o longa “Star Wars: Os últimos Jedi” antes de Carrie falecer também no filme “Star Wars: Episódio IX”.
Ainda há um questionamento na utilização de recursos de Inteligência Artificial (AI) no tocante a imagem de pessoas mortas, e se fere a honra do falecido, ainda que autorizado pelos seus herdeiros legais.
A quem pertence, afinal, o conteúdo intangível deixado pelo falecido?
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR abrir uma representação ética contra a campanha da Volkswagen, que utilizou a IA para recriar a voz da cantora Elis Regina, falecida em 1982. Esse ato, apesar de ter sido autorizado pela família, causou controvérsia sobre o uso da imagem de pessoas falecidas em propagandas.
Artistas famosos estão se posicionando contra o uso dessa tecnologia. A cantora Madonna, por exemplo, modificou seu testamento para proibir o uso de hologramas com sua imagem após a morte, assim como a atriz Whoopi Goldberg, que também deixou esse registro.
O enunciado 687 publicado pelo Conselho da Justiça Federal após a IX Jornada de Direito Civil realizada em 2022, afirma “O patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido, admitindo-se, ainda, sua disposição na forma testamentária ou por codicilo.”
Portanto, a herança é um direito constitucional, no elenco de direitos e garantias fundamentais do artigo 5º, dispondo no inciso XXX: “é garantido o direito de herança” e no Código Civil artigo 1.784 “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”
Apesar de ainda não haver regulamentação específica sobre a herança digital a jurisprudência vem se adequando aos cenários de evolução tecnológica no sentido de transmitirem aos herdeiros tanto os bens corpóreos e os incorpóreos.
Os juízes vêm permitindo nos inventários a nomeação de dois inventariantes, um para administrar os bens e outro para assumir a manutenção das redes sociais e comercialização dos direitos digitais.
A solução por enquanto, diante da indefinição específica sobre o assunto perfaz a abertura de testamentos ou codicilos para que possa definir o que será feito com esses bens digitais após a morte.
Camila Hosken: Especialista em direito sucessório, holding familiar, tributário, eleitoral e fundiário. Muito atuante nos tribunais superiores STJ, TSE e STF.
Fonte: Migalhas