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Segunda, 02 de Setembro 2024

Artigo – Alteração do Código Civil: a posição do cônjuge na sucessão patrimonial

Anteprojeto prevê a exclusão do cônjuge e do companheiro no rol de herdeiros necessários

Em busca do alcance de maior flexibilidade no direito de dispor do patrimônio, da igualdade formal entre companheiros(as) e cônjuges e das famílias recompostas, a comissão de juristas do anteprojeto de alteração do Código Civil repensou a posição do cônjuge e do companheiro na sucessão patrimonial, chegando à conclusão de que eles não deveriam mais figurar como herdeiros necessários, “muito menos concorrer com os descendentes e ascendentes do autor da herança”.

Sobre essa questão, estão sendo propostas alterações na ordem da vocação hereditária (art. 1.829 CC), para que cônjuges e companheiros permaneçam como herdeiros legítimos da terceira classe, mas sem direito à concorrência sucessória, bem como em sua exclusão no rol de herdeiros necessários (art. 1.845 CC), que será restrito, de acordo com o anteprojeto, a descendentes e ascendentes.

Afinal, o que isso significa na prática? Inicialmente é preciso explicar o regime legal ainda em vigor, para, depois, entendermos a proposta de alteração.

Pois bem. O Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento no sentido de que “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. Sendo assim, onde se lê “cônjuge”, dever-se-á, na verdade, ler e compreender “cônjuge ou companheiro”, in verbis:

“Artigo 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais”.

Portanto, pela lei atualmente em vigor, e observada a regra geral da comunhão parcial de bens, o cônjuge ou companheiro sobrevivente terá direito, na hipótese do inciso I, à meação (metade) dos bens comuns adquiridos durante a constância do casamento ou da união estável, enquanto os outros 50% dos bens comuns serão divididos somente entre os filhos.

Por sua vez, quanto aos bens particulares do de cujus, isto é, aqueles adquiridos antes do casamento ou da união estável, o cônjuge ou companheiro sobrevivente não terá direito à meação. Nesse caso, os bens serão herdados em partes iguais pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente e os filhos do falecido (descendentes).

Já na hipótese do inciso II, a situação é similar, ou seja, o cônjuge ou companheiro sobrevivente terá direito à metade dos bens comuns adquiridos durante a constância do casamento ou da união estável, enquanto a outra metade será dividida somente entre os ascendentes. Da mesma forma, quanto aos bens particulares do de cujus adquiridos antes do casamento ou da união estável, estes serão herdados em partes iguais pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente e os ascendentes.

Por fim, caso o de cujus não possua nem ascendentes e nem descendentes, o cônjuge ou companheiro sobrevivente terá direito a totalidade dos bens deixados pela pessoa falecida – caracterizando-se como herdeiro legítimo da terceira classe e sempre em concorrência com ascendentes e descendentes nas hipóteses dos incisos I e II quanto aos bens particulares do de cujus adquiridos antes do casamento ou da união estável.

Por seu turno, o art. 1.845 do Código Civil atualmente em vigor dispõe que “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”, o que significa dizer que essa classe de herdeiros tem direito a receber metade dos bens do falecido (50% do patrimônio deve ser obrigatoriamente destinado a eles e dividido entre eles).

De acordo, no entanto, com o que está previsto no anteprojeto de alteração do Código Civil, estas situações estão prestes a serem alteradas. Isso porque, o cônjuge ou companheiro sobrevivente será excluído da sucessão hereditária nas hipóteses dos incisos I e II do art. 1.829, fato que vem chamando bastante atenção.

Vejamos a proposta de alteração do art. 1.829 do CC:

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes;

II – aos ascendentes;

III – ao cônjuge ou ao convivente sobrevivente;

IV – aos colaterais até o quarto grau”.

Como se observa, caso a proposta de alteração venha a ser aprovada, o cônjuge ou companheiro sobrevivente não terá mais direito à herança particular da pessoa falecida caso ela tenha deixado descendentes ou ascendentes na data do óbito. Em outras palavras, o cônjuge ou companheiro do falecido não será mais considerado como herdeiro necessário para efeitos legais e sucessórios. Nesse diapasão, a proposta de alteração do art. 1.845 do CC:

“Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes e os ascendentes”.

Na prática, isso significa que o cônjuge ou companheiro sobrevivente, observadas as regras do regime da comunhão parcial de bens (regra geral), terá direito apenas à metade dos bens comuns adquiridos durante a constância do casamento ou da união estável, enquanto aqueles bens adquiridos pela pessoa falecida antes do casamento ou da união estável, serão destinados apenas (i) aos descendentes e, na falta destes, entre (ii) aos ascendentes, de modo que a pessoa sobrevivente não mais participará dessa divisão.

Em suma, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança dos bens adquiridos pela pessoa falecida antes do casamento ou da união estável somente em caso de esta não ter deixado descendentes ou ascendentes vivos na data do óbito.

Como se vê, portanto, o anteprojeto de alteração do Código Civil prevê a exclusão do cônjuge ou companheiro como herdeiro necessário para efeitos legais e sucessórios e, portanto, não mais concorrendo com os descendentes e ascendentes (incisos I e II do art. 1.829) do autor da herança referente aos bens adquiridos por este antes do casamento ou da união estável.

Por outro lado, vale dizer que amplia a autonomia privada do testador, permitindo a criação de estratégias de organização para a transmissão de bens aos herdeiros, de forma que as pessoas que decidirem se casar ou viver em união estável poderão elaborar testamentos e pactos antenupciais de acordo com as suas vontades, evitando futuras intervenções judiciais e gastos financeiros desnecessários.

Nesse sentido, importante destacar que no caso de o cônjuge ou companheiro ser excluído da sucessão hereditária no tocante à meação devida aos herdeiros necessários a partir da alteração proposta no anteprojeto, nada impede que o autor da herança o inclua por meio de testamento.

Quanto aos eventuais problemas que podem surgir diante das alterações previstas no anteprojeto, frisa-se os casos em que o patrimônio do casal estiver somente em nome de um deles. Nestes casos, consta no anteprojeto uma nova disposição que determina que o juiz poderá “instituir usufruto sobre determinados bens da herança para garantir a subsistência” do cônjuge ou companheiro sobrevivente nos casos em que haja “insuficiência de recursos ou de patrimônio”. Entretanto, há de se observar que seria uma solução apenas temporária.

Frente o exposto, é certo que o anteprojeto precisa considerar todos os cenários possíveis, levando em conta também o contexto de como era feita antigamente a gestão patrimonial pelo casal.

De acordo com a subcomissão de direito das sucessões, órgão fracionário da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, a justificativa para essa mudança, diga-se, substancial, foi para “atender a determinadas demandas da sociedade civil”, que externalizaram grande rejeição quanto ao sistema atual. É o que se espera.

Gabriel Grigoletto Martins de Souza: Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP (COGEAE) e especialista em Direito Imobiliário e Direito Civil

Marianna Santos Araújo: Formada em Direito. Especialista em Direito Público pela PUC-Minas e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

Fonte: Jota

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