Por Fernando Salzer e Silva e Vívian Morais Hermes Zuquim De Carvalho
O legislador foi sábio, tomando o cuidado de separar as questões referentes à conjugalidade, das atinentes à parentalidade, ao limitar a competência dos referidos Juizados às ações de divórcio puro
O atual CPC, modernizando nosso ordenamento jurídico, destinou um capítulo específico para tratar das ações de família.
No caput do artigo 693, tal código elenca como pertencentes ao ramo das ações de família os processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação, prevendo, em seu parágrafo único, que a ação de alimentos e as que versarem sobre interesses de crianças ou de adolescentes observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições trazidas no já referido capítulo.
A leitura do caput do artigo 693, deixa claro que os processos lá elencados, são distinto, autônomos.
Entretanto, por força da previsão contida no art. 327, caput e parágrafos, do mesmo Código de Processo, é perfeitamente possível a cumulação, em uma só ação, dos pedidos relacionados ao divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, convivência, visitação e filiação.
Tal cumulação de pedidos, além de contar com autorização legal, é, em regra, a que mais se amolda e atende aos princípios e objetivos buscados pelas normas fundamentais do Processo Civil, notadamente a busca pela solução integral e justa1 do mérito, incluída a atividade satisfativa2, em prazo razoável, assim como a que concede maior efetividade ao direito fundamental esculpido no inciso LXXVIII, do art. 5°, da Constituição.
Vistas as vantagens da cumulação dos processos mencionados, cabe ressaltar que, como os pedidos são distintos, é evidente que não há necessidade de que todos sejam apreciados ou julgados na mesma fase processual, podendo, por exemplo, o divórcio puro ou simples ser objeto de decisão parcial de mérito3, até mesmo inaudita altera pars, na modalidade que doutrina e jurisprudência vem denominando de divórcio unilateral ou impositivo.
Questão que, à primeira vista, parece tormentosa, é a novidade trazida no bojo da lei 13.893/19, que acrescentou à lei 11.340/06 o art. 14-A, caput e parágrafos, que trazem as seguintes previsões:
“Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
§ 1º Exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a pretensão relacionada à partilha de bens.
§ 2º Iniciada a situação de violência doméstica e familiar após o ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável, a ação terá preferência no juízo onde estiver.”
O caput do dispositivo supra dá à mulher ofendida a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou no Juízo da Vara de Família.
Interessante notar que o legislador foi sábio e prudente, tomando o cuidado de separar as questões referentes à conjugalidade, das atinentes à parentalidade, uma vez que limitou tal opção aos processos contenciosos de divórcio e de dissolução de união estável, tanto é que, em observância à regra contida no art. 1.581 do Código Civil, se preocupou em deixar consignado que os Juizados não têm competência para análise e julgamento dos assuntos relacionados à partilha de bens.
As questões derivadas da parentalidade, decorrentes do fim da conjugalidade4, como guarda5, convivência6, filiação e alimentos7 destinados aos filhos, por qualquer ângulo que se analise, continuam, por expressa previsão legal, como sendo de competência8 dos Juízos das Varas de Família, na forma da lei de organização judiciária local, ou, dependendo do caso concreto, das Varas de Infância e Juventude.
Desta forma, caracterizada a incompetência absoluta dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para conhecer e julgar as ações relativas à parentalidade, decorrentes da conjugalidade ou do fim desta, caso a ofendida opte por propor o divórcio ou a dissolução da união estável em tal Juizado, caberá ao magistrado responsável declarar a impossibilidade de cumulação de pedidos9, remetendo aos questões relativas à guarda, convivência, filiação e alimentos destinados aos filhos, para o Juízo competente, se limitando a analisar as questão relativa ao divórcio puro ou simples ou à dissolução pura e simples da união estável.
Pois bem, toda a sistemática processual abarcada pela possibilidade do divórcio ou dissolução da união estável junto ao juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher, visa priorizar o tratamento daquela conjugalidade falida e que muitas vezes, em razão da violência doméstica vivenciada, carece de comando judicial célere para pontuar oficialmente seu fim. Portanto, aqui a proteção se direciona especifica e exclusivamente à mulher vítima da violência, caracterizando-se a dissolução do vínculo conjugal como uma medidas protetivas aptas a interromper o ciclo da violência.
De outra banda, havendo filhos comuns daquele relacionamento arruinado, a aplicação adequada das normas legais vigentes deve buscar ao máximo a preservação integral e prioritária dos direitos das crianças e dos adolescentes envolvidos, sendo estes os atores principais do processo10, notadamente no que toca à convivência familiar e comunitária.
O relacionamento entre genitores e filhos, após uma conturbada quebra da conjugalidade, deve possuir um olhar mais sensível, cuidadoso e especializado por parte do Judiciário como um todo, sendo tomadas precocemente11 as medidas que visem e contribuam para a manutenção, o fortalecimento e, se necessário, a criação ou reconstrução dos vínculos familiares e comunitários12.
Assim, em respeito ao devido processo legal e ao outros princípios constitucionais, se mostra indene de dúvidas que a competência atribuída aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher se restringe tão somente às ações de divórcio e dissolução de uniões estáveis na modalidade pura ou simples, pertencendo as questões oriundas da parentalidade à competência exclusiva dos Juízos das Varas de Família, na forma da lei de organização judiciária local, ou, quando for o caso, das Varas de Infância e Juventude, uma vez que tais Juízos e suas respectivas equipes multidisciplinares estão mais aptos, possuindo maior expertise e sensibilidade, para a aplicar precocemente as pedagógicas medidas necessárias à manutenção, ao fortalecimento e, se necessário, à criação ou à reconstrução dos vínculos familiares e comunitários, entre pais, filhos e respectivas famílias extensas, buscando, por fim, através da extinção ou minimização dos conflitos parentais existentes, conceder às criança e aos adolescente o direito fundamental à convivência familiar saudável.
Fonte: Migalhas