Diante do quadro de crise econômico-financeira, que despontou na sociedade empresarial em 2014, muitas empresas, principalmente as grandes empreiteiras, entraram em colapso financeiro. Evento que foi agravado com a pandemia de coronavírus, em 2020, alcançando diversos setores da economia.
Com isso, o instituto da recuperação, seja ela extrajudicial ou judicial, percebeu a necessidade de adequação, por ser a opção legal para buscar o restabelecimento da atividade empresarial, desenvolvendo melhores ambientes para a negociação das dívidas, com o objetivo de permitir, desenvolver, manter e garantir o princípio da função social da empresa.
No entanto, o sistema de insolvência no Brasil com referência a legislação americana, através da promulgação da Lei 14.112/20, acrescentou diversas inovações para transpor os obstáculos contemplando uma legislação mais efetiva com o desígnio de agrega mais modernidade, fundamentalmente mais eficaz, destravando os mercados de crédito e de capitais e fazendo a roda econômica-produtiva novamente girar.
Em contrapartida, diferente dos Estados Unidos, no Brasil culturalmente, existe uma visão muito negativa quanto aos empresários que ingressam com a recuperação, o que impede um tratamento mais efetivo. O que se promove é um temor de perder prestígio no mercado e possibilidade de crédito ou até mesmo prejuízo da integridade da empresa. Por isso, as empresas apenas ingressam em situações bem difíceis, buscando o restabelecimento em momento inviável ou quando tem intenções escusas.
Apesar da intenção da modernização da lei, ainda se peca pelo decurso do prazo, uma recuperação nos EUA, por exemplo, leva, em média, 12 meses. Já no Brasil, o prazo é muito maior e fica atrelado às burocracias jurídicas, alto custos, e o receio da não conformidade das decisões, que dão uma sensação de insegurança jurídica. O que explica o fato de algumas empresas escolherem ingressar com o pedido de recuperação nos Estados Unidos, como a companhia aérea Latam.
O Núcleo de Estudo e Pesquisa de Insolvência da PUC de São Paulo realizou parceria com a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) um estudo dos processos em recuperação judicial das varas especializadas da capital de São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo foi identificada a mediana 386 dias e a média é de 507 dias, no estado do Rio de Janeiro este número chega à marca de 616 dias, para aprovação de um plano de recuperação judicial, ou seja, o prazo legal de 180 dias mostra-se desrazoável.
Culturalmente, no Brasil, grande parte das organizações tem muitas restrições quanto o pedido e o momento adequado para ingresso, o que agrava os reflexos financeiros e prejudica o fluxo de caixa da empresa. É necessário uma mudança cultural e um incentivo mais eficaz no instituto para que ele seja efetivo e permita resultados eficiente com a recuperação das empresas, um gerenciamento com o objetivo de efetiva recuperação.
A verdade é que a morosidade no instituto da recuperação judicial traz uma dificuldade para oxigenação das empresas, tornando-se fatal para a continuação empresarial, o atraso dos empresários em ingressar com o pedido, a ausência de juízes especializados e perícia prévia ineficiente convergem-se na combinação perfeita para um processo prejudicial inviabilizando a subsistência da empresa.
Em suma juízes especializados, que já existem em algumas comarcas, normalmente nas grandes capitais, conseguem prover uma distribuição equilibrada analisar a viabilidade do negócio, proveito econômico e o benefício da recuperação. Por oportuno e não menos importante deve-se destacar a importância da perícia prévia para obter uma verificação preliminar, realizada por profissional com conhecimentos técnicos, para robustar o juiz com informações adequadas antes de decidir o início da recuperação judicial.
No fim, a conta é simples. O instrumento da recuperação judicial é uma ferramenta muito positiva e tem diversas oportunidades ainda mais com as inovações por meio da Lei 14.1112/20, porém é necessário analisar e adequar a realidade no Brasil, atentando que o tempo inadequado para ingresso e a insegurança do judiciário podem acarretar danos irreversíveis as empresas e impedir a recuperação.
Elaine Ferreira da Silva é gestora Jurídica, especialista em Direito Bancário e novas tecnologias, curso de extensão em Direito Digital e novas tecnologias (PUC), pós-graduada em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral (SP), cursando LLM Direito Financeiro e Mercado de Capitais (Insper). Membra do Ibrademp na Comissão do Direito do Mercado Financeiro e coautora do livro “Mulheres no Direito”, editora Leader
Fonte: ConJur