No primeiro bimestre deste ano, o número de registros de nascimentos no Brasil caiu 24% na comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com informações do Portal da Transparência do Registro Civil, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Foram 336,7 mil registros neste ano, 106,6 mil a menos, na comparação com os 443,3 mil em 2020. Em janeiro, dez meses após o início da pandemia de covid-19 no Brasil, o número de registros caiu 14%. Em fevereiro, recuou 37%.
Os números são preliminares, já que pode levar até duas semanas entre o nascimento do bebê e o registro no portal e que alguns Estados estenderam o prazo em que os pais devem registrar os filhos por causa da pandemia. Apesar disso, a magnitude da queda chama atenção e os dados podem ser um indício do impacto da covid-19 na decisão das mulheres terem filhos, afirma a pesquisadora Raquel Zanatta Coutinho, do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Ainda que exista esse problema do atraso nos registros, levando janeiro em consideração é possível, sim, dizer que houve influência [da pandemia]. Não temos dúvida de que se refletiu em queda, embora não saibamos ainda o tamanho dela”, afirma Coutinho. Ela, junto com mais três pesquisadores da UFMG e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), levantou a questão da natalidade em tempos de pandemia em um artigo no fim de 2020 na “Revista Brasileira de Estudos da População”.
No primeiro bimestre, os dados do portal de registros apontam que em locais mais atingidos proporcionalmente pela covid-19, como Manaus, a queda dos registros foi maior: 34% em janeiro e na mesma magnitude em fevereiro. No Estado de São Paulo, os recuos foram de 15% e de 31%, respectivamente.
A tendência é global. Na semana passada, o “Wall Street Journal” informou que, segundo pesquisas preliminares, a natalidade começou a cair em vários países por causa da crise econômica e sanitária. Japão, França e Bélgica estão entre os que relatam quedas abruptas nos nascimentos nove meses após o início da pandemia. Na França, o número caiu 13,5% em janeiro, em relação a 2020. O think tank Brookings Institution estimou em dezembro que nasceriam 300 mil bebês a menos nos EUA em 2021.
No artigo escrito com seus colegas, a demógrafa Raquel Coutinho diz que, embora exista uma série de motivos que podem diminuir a fecundidade na pandemia (aumento de incertezas em relação ao futuro, pesada rotina familiar causada pelo confinamento, medo de infecção pelo coronavírus, diminuição dos encontros que podem resultar em gravidez), há outros que vão na contramão, sendo o principal deles a gravidez não planejada pela perda de acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva que dificulta, por exemplo, o acesso a anticoncepcionais.
O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) estima que mais de 47 milhões de mulheres no mundo podem ter o acesso a métodos contraceptivos dificultado durante a pandemia, o que poderia resultar em 7 milhões de gestações não planejadas.
Mas o fato é que, mesmo antes da pandemia, a fecundidade no Brasil já estava em queda e hoje está abaixo da chamada taxa de reposição, de 2,1 filhos por mulher, e deve seguir assim. “Quando a fecundidade cai, é muito difícil de recuperar”, diz Coutinho, observando que, para além de questões econômicas, esta é uma variável social e cultural. “Na época da gripe espanhola, por exemplo, eram valorizadas famílias maiores, com muitos filhos. Hoje, o ideal de família é menor.”
Esses números são acompanhados de perto por demógrafos, mas também economistas, educadores e outros técnicos por causa das implicações sobre várias áreas da sociedade. Menos bebês implica, no futuro, menos escolas, potencialmente menos violência, menos trabalhadores e também um número menor de contribuintes para a Previdência.
Fonte: Valor Econômico