A lei 14.382, de 27 de junho de 2022, alterou inúmeros dispositivos na lei 6.015, de 2022, a Lei de Registros Públicos, e de inúmeras outras, como na lei 4.591, de 1964; na lei 6.766, de 1979, no Código Civil, dentre outras.
Trata-se de resultado do Projeto de Lei de Conversão originado da Medida Provisória 1.085, de 2021, cuja tramitação se deu Congresso Nacional, com emendas, no primeiro semestre de 2022. Tem por objetivo desburocratizar atos e procedimentos no serviço de registros públicos e da criação da plataforma dos serviços única e nacional, a SERP – Serviços Eletrônicos dos Registros Públicos.
O presente artigo almeja abordar a questão dos prazos e da forma de publicação dos editais de proclamas, inseridos dentro do procedimento de habilitação para o casamento.
Proclamar, do latim proclamare (gritar alto), que significa ato de proclamação, sendo, deste modo, forma de publicação feita em altas vozes ou a notícia que, assim, também se divulga.[1]
Proclamas, no sentido do Direito Civil, entende-se o edital, em que se divulga o noivado, sendo formalidade preliminar e necessária à celebração do casamento.[2]
A presente formalidade está inserida no procedimento de habilitação que é a cadeia de atos prévios à celebração do casamento, á feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil, com a audiência do Ministério Público. (CC, art. 1.526).[3]
A sua função é verificar o preenchimento dos requisitos para a constituição do vínculo matrimonial, quais sejam: a capacidade para a realização do ato (CC, arts. 1.517 a 1.520); a inexistência de impedimentos matrimoniais (art. 1.521) ou de causa suspensiva (art. 1.523); e a dar publicidade, por meio de editais, à pretensão manifestada pelos noivos, convocando as pessoas que saibam de algum impedimento para que venham opô-lo. É a concretização do princípio da publicidade, neste caso, ativa.[4]
Igualmente cabe-lhe a orientar os nubentes sobre os regimes de bens elegíveis para reger às relações econômicas durante o casamento, bem como fiscalizar e publicizar a futura constituição de entidade familiar (CC, art. 1.528).
Logo, a verificação dos impedimentos e causas suspensivas deve ser efetuada pelo oficial de registro civil, como também pelos familiares e coletividade local. O instrumento legal para atingir este desiderato é o edital de proclamas, somado à declaração de duas testemunhas e dos próprios nubentes (CC arts. 1.525 e 1.526).
Trata-se de ato dentro do procedimento de habilitação, cujo fulcro é promover a publicidade do negócio jurídico a ser celebrado. Para tanto, deve se dar ciência a sociedade, inclusive ocasionais interessados, para a arguição de eventuais incapacidades, impedimentos ou causas suspensivas, evitando-se, assim, nulidades ou anulabilidades futuras à formação de famílias (CF, art. 226, § 7º).
Para que os editais de proclamas cumpram o seu objetivo o Código Civil e a Lei de Registros Públicos impõem certas regras, que devem ser interpretadas em favor dos usuários.
A primeira delas é a dupla publicação dos proclamas. Uma é a afixação em local ostensivo da Unidade de Serviço; a outra é a publicação na imprensa local, se houver, certificando-se o ato nos respectivos autos do processo de habilitação e lavrando o registro no Livro – D (LRP, art. 43 e 44).
O código civil em seu art. 1.527, caput, explicita:
“Estando em ordem a documentação e portanto, ultrapassada a primeira fase da habilitação com êxito; o oficial de registro (…) extrairá o edital, que se afixará durante quinze dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver“.
Veja: Pelo Código Civil, deve-se afixar os editais e publicá-los na imprensa local.
O art. 67, § 1º, da Lei de Registros Públicos aduz: “Se estiver em ordem a documentação, o oficial de registro dará publicidade, em meio eletrônico, à habilitação…“. Logo, o comando legal é dar publicidade em meio eletrônico e não na imprensa local como determina o art. 1.528.
Terminado o prazo de 15 dias úteis, não havendo oposição de impedimentos ou causas suspensivas, ele “(…) extrairá, no prazo de até 5 (cinco) dias, o certificado de habilitação, podendo os nubentes contrair matrimônio perante qualquer serventia de registro civil de pessoas naturais, de sua livre escolha, observado o prazo de eficácia do art. 1.532 da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002“.
O parágrafo único do art. 1.527 do Código Civil abre a oportunidade aos nubentes para requererem à dispensa da publicação dos editais. Pela Lei de Registros Públicos, em seu art. 69, alterado pela lei 14.382, de 2022, segundo à dicção da lei, “(…) nos casos previstos em lei, os contraentes, em petição dirigida ao oficial de registro, deduzirão os motivos de urgência do casamento, provando o alegado, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, com documentos“.
Assim, o registro do casamento na mesma data de seu pedido não se mostra possível, por interpretação lógica do art. 69 da LRP, com o seu art. 67. A dispensa de proclamas seria inútil nas modificações trazidas pela lei nova. Para que seriam as 24 horas úteis para se requerer a dispensa, se é possível o registro do casamento no mesmo dia do pedido de habilitação?
Ademais, os cinco dias úteis para a extração do certificado de habilitação concordam com o prazo para emissão de certidões dos assentos, determinados no art. 13, inc. I, da LRP. Neste caso, se a entrega puder ser antecipada aos nubentes, o registrador tem o dever em fazê-lo.
Se houver impedimento ou arguição de causa suspensiva, o oficial de registro dará ciência do fato aos nubentes, para que indiquem, em 24 (vinte e quatro) horas, prova que pretendam produzir, com a remessa dos autos a juízo. Produzidas as provas pelo oponente e pelos nubentes, no prazo de 3 (três) dias se dará ciência para o Ministério Público, e ouvidos os interessados e o órgão do Ministério Público em 5 (cinco) dias, decidirá o juiz em igual prazo.[5]
Por fim, a contagem dos prazos deve se dar em dias úteis.
O art. 9º, caput, da LRP, impõe a nulidade aos registros praticados fora do horário de funcionamento da serventia. Os seus parágrafos devem se estruturar com base no caput, já que buscam todos enunciar exceções à regra (Lei Complementar 95/1998, art. 11, III, “c“).
Logo, o § 3º determina a contagem dos prazos de acordo com a legislação processual civil, segundo nova redação dada pela lei 14.382, de 2022, à Lei de Registros Públicos. Ademais, o § 1º determina aos registros o emprego de dias úteis, ressalvadas questões legais ou prazos em meses e anos.
A partir de interpretação em favor do usuário do serviço de registros públicos, o casamento, modo de constituição de família formal e solene, deve dar o máximo de publicidade do evento a ser celebrado, qual seja, a contagem do prazo de afixação de proclamas por 15 dias úteis e a extração da certificação de habilitação em até 5 dias úteis, contados do término do prazo de afixação.[6]
Por esta razão, a V Jornada de Direito Civil, aprovou enunciado do art. 1.527, parágrafo único, do Código Civil, cujo teor reafirma que a publicidade do edital é da essência do casamento. Logo, interpretação pela qual se abafe a sua ocorrência não seria condizente com o presente instituto e os nortes legais.[7]
Posto isto, o prazo de quinze dias úteis a contar da afixação do edital em cartório (e não da publicação na imprensa), entregará para os nubentes certidão de que estão habilitados a se casar dentro de noventa dias, sob pena de perda de sua eficácia.[8]
Trata-se uma característica ontológicas a distinguir da união estável, na esteira do exarado na fixação de entendimento dentro do Tema 809 do Supremo Tribunal Federal e corroborada na jurisprudência pátria.[9]
O casamento e a união estável são entidades familiares amparadas pela Constituição Federal, o que denota a inexistência de predileção pelo ordenamento jurídico por uma ou outra (CF, art. 226).
Todavia, apenas o casamento (e não a união estável) representa ato jurídico formal e solene, pelo qual se presume o conhecimento do estado civil dos contratantes perante terceiros. É atributo que assegura aos interessados ter ciência quanto ao regime de bens, estatuto pessoa, patrimônio sucessório, etc.
Deste modo, o edital de proclamas objetiva publicar a constituição de entidade familiar, publicado para quem tiver conhecimento do não preenchimento dos pressupostos tenha um prazo razoável para se manifestar.
Portanto, não parece possível a exegese restritiva das partes quando sabidamente existe, no próprio ordenamento jurídico, regra jurídica geral que se amolda perfeitamente à tipicidade do caso, qual seja, o art. 9º, § 3º, da Lei de Registro Públicos, que estabelece a contagem do prazo em dias úteis, como sói a publicidade inerente ao casamento, a sua forma e solenidade.
Deveras, é inadequada a utilização de interpretação de que, diante não previsão do Registro Civil das Pessoas Naturais no art. 9º, § 1º expressamente, para o preenchimento de lacuna existente. Ainda mais quando a exegese acaba por limitar ainda mais os direitos subjetivos, já que a adoção de prazo em dias corridos acarreta, inarredavelmente, em extinção mais rápida do direito da parte e da coletividade.
Notas
[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico 18ª ed. rev. e atual. por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 1.674.
[2] Segundo Dr. Márcio Bonilha, a exigência da publicidade dentro do procedimento de habilitação objetiva a “adequada aferição dos requisitos legais, evitando-se a consumação de matrimônios ilegítimos, no quadro dos impedimentos e causas suspensivas existentes, cujas infrações são preventivamente afastadas“. (Alvim Neto, José Manuel de Arruda; Clápis, Alexandre Laizo; Cambler, Everaldo Augusto. Lei de Registros Públicos Comentada. 2º edição. Rio de Janeiro: Forense. Edição do Kindle, 2019, p. 245).”
[3] Atualmente, o procedimento de habilitação de casamento não conta com a vista do Ministério Público, a não ser que o membro do parquet local exija ou que haja incidente na habilitação. Na maioria dos Estados, o Ministério Público, por ato do PGJ, está dispensado de vista regular nos procedimentos de habilitação.
[4] Nas palavras de Walter Ceneviva, o proclama é “forma de publicidade ativa, destinada a, transitoriamente, dar ciência a todos do povo que duas pessoas querem casar-se, propiciando ensejo de serem denunciados os impedimentos. O proclama deve referir, pelo menos: nome, data e local de nascimento, estado civil e domicílio dos pretendentes, nome de seus pais. O registro de proclama é escriturado cronologicamente, com resumo do que constar dos editais expedidos pelo registrador ou recebidos de outros (arts. 43 e 44)“. (in Lei de Registros Públicos Comentado, Walter Ceneviva, 1999, 13ª ed., p. 153).
[5] A norma impõe motivos legais, considerados relevantes pelo legislador para dispensa do proclamas. Isto por causa de sua relevância para publicidade ativa inerente ao casamento. O MMº Juiz de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital do Estado de São Paulo, Marcelo Benacchio, em Pedido de Providências recente, decidiu não ser por qualquer urgência esta dispensa (Processo 1036006-19.2019.8.26.0100, DJe de 07.05.2019 – SP), de modo que a responsabilidade dos oficiais de registradores ampliará com esta modificação legal.
[6] A promulgação da Constituição Federal de 1988, com base no art. 226 gerou na doutrina, uma tendência de ampliar o conceito de família, “para abranger situações não mencionadas pela Constituição Federal. Fala-se, assim, em: ¦ Família matrimonial: decorrente do casamento; Família informal: decorrente da união estável” GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil 3 – Responsabilidade Civil – Direito de Família – Direito das Sucessões. 9ª ed. São Paulo: Saraiva Jur. Edição do Kindle, 2022, p. 614″.
[7] Enunciado 513 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, o qual se transcreve: “Art. 1.527, parágrafo único: O juiz não pode dispensar, mesmo fundamentadamente, a publicação do edital de proclamas do casamento, mas sim o decurso do prazo“. O fundamento pelo qual se aprovou, é o seguinte: “O caput do art. 1.527 determina que, estando em ordem toda a documentação, deverá ser extraído um edital, com o anúncio do casamento entre os nubentes, com os nomes e qualificações dos mesmos. O edital será afixado no Cartório de Registro Civil, pelo prazo de 15 dias e, obrigatoriamente, na imprensa local, se houver. Por sua vez, o parágrafo único admite que, havendo urgência, o juiz poderá dispensar a publicação. As previsões de urgência vão desde a enfermidade grave de um dos nubentes (art. 1.539, CC), iminente risco de vida de um deles (art. 1.540, CC), bem como gravidez, viagem inadiável, ou outra causa, suscitada pela parte interessada, e avaliada pelo juiz como justo motivo, após manifestação do Ministério Público. Ocorre que, a finalidade da norma é dar ampla divulgação da pretensão de casamento dos nubentes, para fins de oportunizar a oposição de impedimentos matrimoniais (art. 1.522, CC) e das causas suspensivas (art. 1.523, CC) ou, ainda, motivos que causem a nulidade relativa do matrimônio, como o defeito de idade (ausência de autorização dos pais ou responsáveis ou não ter idade núbil, dentre outros). O casamento é ato público, e aberto ao público, tanto que quando o art. 1.534 afirma que a celebração se dará em cartório, de portas abertas, com a presença de testemunhas. De igual modo, se a celebração for em local privado ficará de portas abertas durante o ato. Sendo o matrimônio um ato jurídico complexo, formal (procedimento de habilitação) e solene (celebração), a publicidade é essencial para a validade do ato. Portanto, não se deve compreender a regra do parágrafo único como sendo dispensa da “publicação”, mas sim, dispensa do “prazo” de 15 dias previstos no caput do mesmo artigo, de forma que, somente assim, restará coerente a interpretação com o sistema e com o objetivo finalístico da norma“.
[8] Idem, p. 648.
[9] Um exemplo é a anulação decorrente da ausência de outorga conjugal em fiança (Súmula 332 do STJ). A fiança prestada por companheiro sem a autorização do outro convivente não gera anulabilidade, mesmo que formalizada em escritura pública. Foi o entendimento prolatado no REsp 1.299.866-DF, de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/2/2014.
Autores:
Vitor Frederico Kümpel é doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e livre-docente em Direito Notarial e Registral pela USP. Atualmente é juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor da Faculdade de Direito Damásio de Jesus.
Fernando Keutenedjian Mady é mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Público e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito (EDP), e tabelião de Notas em São Paulo.
Fonte: Migalhas