Aquele que tem o vínculo material (adquirente imitido na posse) ou o registral?
É bastante comum após alguns meses ou mesmo anos da venda de um imóvel aquele que o vendeu (seja particular, construtora ou incorporadora) se ver envolvido em demanda judicial promovida pelo Condomínio visando o recebimento da fração correspondente à unidade das despesas condominiais – taxa condominial.
Em termos práticos, quem vendeu, acreditando que o adquirente faria o registro da transferência no Cartório de Registro de Imóveis, não checa se o comprador cumpriu a respectiva obrigação legal (art. 490[1], do CC), fato que acaba por dar ensejo que o Condomínio busque o proprietário registral para fins de cumprimento das obrigações condominiais. Eis, pois, o conflito!
Por muito tempo, a jurisprudência compreendeu pela legitimidade do dono registral para responder pela ação de cobrança, sob o viés de que se trata de obrigação do proprietário, com fulcro em uma interpretação rasa do que constitui em verdade uma obrigação propter rem, inobstante o incontroverso vínculo material do adquirente para com o imóvel, o que causava um cenário de prejuízo para todos os envolvidos: o vendedor, que acaba por responder uma demanda judicial sem ter verdadeiro interesse processual; e para o adquirente, que fica sob o risco do desinteresse do vendedor em perder o imóvel, em razão da penhorabilidade do mesmo frente à natureza da dívida (inciso IV do art. 3º da lei 8.009/90[2]).
De forma a pacificar a controvérsia, em sede de Recurso Repetitivo (tema 886), a 2ª turma do STJ, ao apreciar Recurso Especial (REsp 1.345.331 – RS) interposto por adquirentes que não realizaram a transferência no Registro de Imóveis, em particular porque o compromisso de compra e venda se deu através de “contrato de gaveta”, em razão de pendência de financiamento, decidiu ” (…) que as despesas condominiais, compreendidas como obrigações propter rem, são de responsabilidade daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária, ou ainda pelo titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo ou a fruição, desde que esse tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio.”
O decisum acima referido, cumpre destacar, enfrentou a natureza propter rem da obrigação, deixando o apontamento do legítimo devedor da obrigação condominial para após a apreciação das circunstâncias do caso concreto, especialmente, para esclarecer a quem de fato está estabelecida a relação jurídica material, consagrando o que dispõe art. 1.345[3] do Código Civil. Ou seja, restou afastada da discussão se houve ou não a transmissão do domínio no Registro Imobiliário, estabelecendo-se como pontos determinantes para a responsabilização pelas obrigações condominiais a imissão na posse do imóvel pelo comprador e se o condomínio tivera ciência inequívoca da transação.
Identificadas tais circunstâncias, tem-se, pois, a hipótese de afastamento da legitimidade ad causam do vendedor para responder por despesas condominiais após a imissão da posse do comprador e da inequívoca ciência da compra e venda pelo condomínio, sem, contudo, na inexistência destes elementos, ser afetado o direito do vendedor de ação de regresso.
Atente-se que esta compreensão pelo Superior Tribunal de Justiça não se revela novidade, muitos julgados anteriores trouxeram este entendimento, todavia o que se inaugura a partir do julgamento do tema 886 – Recurso Repetitivo – é a formal orientação para as demais instâncias do Judiciário na solução de casos com fundamento em idêntica controvérsia.
Em outras palavras, o que interessa processualmente para a definição de legitimidade para responder judicialmente pelas obrigações condominiais é a realidade fática, ou seja, com quem o Condomínio mantém condição e relação de credor, o que se evidencia nos seguintes aspectos: em nome de quem são emitidos os boletos para o pagamento da taxa condominial; a data da imissão da posse pelo comprador; a prova da comunicação de que o vendedor informou ao condomínio a venda e para quem etc.
Nesses termos, no que toca ao interesse do vendedor, de forma a evitar ação judicial promovida pelo Condomínio e visando o recebimento da taxa condominial, imprescindível se faz deixar registrada a venda da unidade imobiliária nos livros condominiais ou mesmo através de notificação específica, evitando-se, assim, o transtorno de eventual e futura demanda e do risco da sucumbência em ações de cobrança, já que a execução pode recair sobre outros bens que não apenas o imóvel já alienado em questão.
Referência
REsp 1345331/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/04/2015, DJe 20/04/2015
[1] Art. 490. Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.
[2] Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
[3] Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.
Ana Cláudia Lôbo Barreira é advogada do escritório Azevedo Sette Advogados.
Fonte: Migalhas