Filipe Gustavo Barbosa Maux – Professor, Notário e Registrador
Questão de insofismável importância no contexto da Pandemia do novo corona vírus, que ocasionou de forma abrupta a elevação do número de óbitos no Brasil, é saber como tratar as questões jurídicas, negócios jurídicos, celebrados e quitados, porém não perfectibilizados, quando o outorgante ou promitente vendedor falece.
Imaginemos a situação de um promitente vendedor de um imóvel que falace antes de outorgar a escritura pública definitiva para o comprador, mas já promoveu a quitação da promessa.
Seria possível os herdeiros, representados pelo espolio levar a cabo esse negócio jurídico ou seria necessário iniciar o processo de inventário (judicial ou extrajudicial) para a realização da cessão dos direitos hereditários.
A dúvida e a resposta perpassam a questão notarias, registrais e principalmente tributarias.
Entendendo que os herdeiros, representado pelo inventariante teria poderes para lavrar a escritura de compra e venda incidiria o imposto de transmissão de bens imóveis de competência municipal, ITBI.
Entendendo o contrário, que o bem passaria a compor o acervo patrimonial do falecido – espolio, teríamos o pagamento da exceção Estadual, ITCMD e posterior imposto municipal para concretizar a cessão dos direitos hereditários.
Com efeito, passando a entender a possibilidade de concretização do negócio jurídico outrora realizado em vida pela parte, tem-se a possibilidade de realização de obrigação de fazer do falecido, que seria representado por inventariante com poderes para lavratura do documento, sendo dispensado, dessa forma, o competente Alvará judicial do juízo do inventário para a lavratura da escritura pública.
A justificativa para tal entendimento é arrimada pela ideia simples de que é possível lavrar as escrituras definitivas de compra e venda em cumprimento a compromissos (quitados) celebrados em vida pelo "de cujus".
Não faria sentido abrir processo de inventário (judicial ou extrajudicial) para cumprimento de obrigações que não foram transmitidas aos herdeiros porque o falecido recebeu todas as quantias em vida, cabendo aos herdeiros apenas a execução de atos não cumpridos.
Assim sendo, os bens outrora comprometidos à venda por um falecido, cujos preços já foram pagos, e, quitados, não são seriam direito para composição do acervo patrimonial – espolio, a ser inventariado e partilhado, mas uma obrigação de fazer por parte dos herdeiros sucessores.
Poder-se-ia justificar em sentido contrário que a venda dependeria da expedição de alvará judicial e da necessidade de incidência de imposto de transmissão causa mortis pela tributação estadual.
Pensar ao contrario de tal posicionamento seria dar poderes ao administrador do espolio – inventariante, que poderia negociar bens da herança sem ter de provar que os mesmos foram alienados e quitados em vida pelo falecido.
A desjudicialização mostrou-se ao longo dos anos efetivo seguro como medida para destravar o volume absurdo de processos no Judiciário brasileiro. A guise de exemplo os dados apresentados com as comemorações dos dez anos da Lei 11.441/2007, que permitiu a lavratura de escrituras públicas de separação, divórcio e inventário, via de administrativa de autonomia e efetividade.
De acordo com as estatísticas do Colégio Notarial do Brasil, entidade que congrega os cartórios de notas, desde 2007, em todo o País, já foram realizados mais 1,8 milhão de atos com base na Lei n° 11.441.
Esses números só poderiam ser alcançados vendo a celeridade e segurança jurídica oferecida pelos notários do Brasil. Atualmente um divórcio pode ser resolvido (Escritura e Averbação no Registro Civil) no mesmo dia. Um inventário extrajudicial pode ser resolvido em questão de semanas, dependendo da análise da documentação e cálculo do imposto. Questões que outrora levariam anos para deslinde judicial.
Outra importância da desjudicialização, devidamente demostrada pelo sucesso da Lei 11.441/07 foi a economia para o contribuinte. Segundo um estudo conduzido em 2013, pelo Centro de Pesquisas sobre o Sistema de Justiça brasileiro (CPJus), cada processo que entra no Judiciário custa em média R$ 2.369,73 para o contribuinte. Portanto, o erário brasileiro economizou mais de 4,2 bilhões de reais com a desburocratização desses atos.
Homenagem aos 10 anos da Lei Federal n. 11.441/07. Editora YK. Coordenação Arthur Del Guércio Neto e Lucas Barelli Del Guércio. 2017.
https://exame.abril.com.br/negocios/dino/lei-que-acelerou-divorcios-e-inventarios-completa-11-anos/
As atualizações legislativas apontam nesse sentido, a guise de exemplo:
Lei 13.105/2015
(Novo CPC);
Lei 13.465/2017
Direito de laje, condomínio urbano simples, arrecadação de imóveis abandonados, Regularização Fundiária, além de inúmeras outras criações legislativas, como a legitimação fundiária, nova de aquisição originaria da propriedade.
Lei 13.484/2017
Retificação do registro civil, independente de autorização judicial e manifestação do Ministério Público.
Lei 13.606/2018
Averbação pré executória pela Fazenda Pública.
Lei 13.777/2018
Criação da multipropriedade, com regras para o registro e consequências para os proprietários.
Lei 13.786/2018
Regras para resolução do contrato por adquirente de unidade imobiliária.
O Conselho Nacional de Justiça, na mesma toada, passou a disciplinar inúmeras alterações visando a dinâmica da atividade notarial e registral, como:
Provimento 72/2018
Dispõe sobre medidas de incentivo à quitação ou à renegociação de dívidas protestadas nos tabelionatos de protesto do Brasil.
Provimento 53/2016
Dispõe sobre a averbação direta por Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da sentença estrangeira de divórcio consensual simples ou puro, no assento de casamento, independentemente de homologação judicial.
Provimento 62/2017
Dispõe sobre a uniformização dos procedimentos para a aposição de apostila, no âmbito do Poder Judiciário, da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, celebrada na Haia, em 5 de outubro de 1961 (Convenção da Apostila).
Provimento 66/2018
Autorização dos registros civis prestarem serviços públicos mediante Convênios.
Provimento 67/2018
Dispõe sobre os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais e de registro do Brasil.
Provimento 82/2018
Dispõe sobre o procedimento de averbação, no registro de nascimento e no de casamento dos filhos, da alteração do nome do genitor e dá outras providencias.
O Conselho Nacional de Justiça, na mesma toada, passou a disciplinar inúmeras alterações visando a dinâmica da atividade notarial e registral, como:
Destarte, tratar das questões de transferência definitiva a terceiro (não herdeiro) de bens que não entraram ou deveriam entrar no inventário (judicial/extrajudicial) por ser objeto de promessa de compra e venda firmada ainda em vida e integralmente paga antes do óbito é questão que pode ser tratada e resolvido sem procedimento de inventário.
Isso porque as é possível aos herdeiros, se todos forem capazes, estiverem de acordo e não houver testamento, optar pela lavratura de escritura pública de inventário e partilha, na qual, além da divisão dos quinhões aos herdeiros, pode-se deliberar sobre as dívidas e obrigações pendentes do falecido, as quais serão cumpridas por pessoa com poderes de inventariante nomeada pelos herdeiros.
Assim sendo, com a nomeação do inventariante, através do processo de inventário (judicial/extrajudicial) ou até mesmo através de escritura autônoma de nomeação de inventariante, para representar o espólio, com poderes de inventariante, com cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, seria possível a perfectibilizarão dos negócios jurídicos celebrados e quitados em vida.
Assim entendeu a Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo-SP, nos seguinte julgado:
PARTILHA EXTRAJUDICIAL. PROMESSA – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – CUMPRIMENTO. ESPÓLIO, ALVARÁ JUDICIAL, REPRESENTANTE. Desnecessário alvará judicial para a lavratura da escritura pública por represente do espólio nomeado por ocasião da lavratura da escritura de inventário e partilha, devendo constar na escritura de partilha o nome do promissário comprador. (TJ/SP, Processo 0011976-28.2012.8.26.0100, Primeira Vara de registros públicos, rel. Carlos Henrique André Lisboa. Procedimento de Dúvida, suscitante: 14º Registro de Imóveis, Suscitado: Mauricio Leite Miraberri, j. 11.04.2012, DOE 23.04.2012.
Nesse sentido, é possível que os herdeiros, através de represente do espolio, inventariante, possa outorgar escrituras definitivas de venda e compra em favor dos compromissados compradores, que celebraram em vida negócios jurídicos com o autor da herança, sendo dispensado assim o alvará judicial.
Pensar o contrário, ou seja, exigir alvará judicial para autorizar a lavratura de escritura definitiva de venda do imóvel quitado em vida pelo autor da herança, seria inegável afronta ao espírito da Lei n° 11.441/07, cuja finalidade foi justamente desjudicializar questões que prescindem da apreciação do Estado-Juiz.
Cintando o Professor CHRISTIANO CASSETTARI, ao comentar o julgamento pela Corregedoria de São Paulo/SP, o mesmo assim pontuou:
“Isso também pode ocorrer na transferência de veículos ou de cotas em sociedade empresarial, já concretizada anteriormente, mas não formalizada, motivo pelo qual a figura do inventariante poderia resolver tal problema com maior agilidade”
Igual posicionamento temos no seguinte Acordão do TJ/SP:
REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL PROMETIDO À VENDA PELO FALECIDO - EXIGÊNCIA DE ALVARÁ JUDICIAL AUTORIZANDO A OUTORGA - DESNECESSIDADE, EM RAZÃO DA LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA EM QUE SE NOMEOU PESSOA COM PODERES DE INVENTARÍANTE PARA CUMPRIR AS OBRIGAÇÕES PENDENTES DO DE CUJUS - RECURSO PROVIDO. Apelação Cível n° 0000228-62.2014.8.26.0073. Apelante: Hailton Ribeiro da Silva. Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Avaré. Voto n° 34.179
Concluímos, portanto, entendendo possível que o representante do espolio, inventariante, devidamente nomeado, através de compromisso em processo judicial ou por escritura pública de inventario ou escritura declaratória de nomeação de inventariante, possa lavrar escrituras públicas de compra e venda em favor de promissários compradores, que tenham quitado integralmente o negócio em vida com o autor da herança, sendo recolhido o imposto de transmissão de bens imóveis em favor da municipalidade
Divórcio, Extinção de união estável e inventário extrajudicial por escritura pública. Teoria e Pratica. 9º edição. Editora Altas. 2018
Fonte: Artigo