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Quinta, 20 de Abril 2023

O nome da pessoa natural – vicissitudes, alterabilidade e direito estrangeiro – Por Gustavo Barcello

Introdução

Há muito tempo se reconhece que é direito do ser humano titular certos atributos inerentes à própria condição humana. Dizia-se que o “fogo que brilha na Grécia também queima na Pérsia”, na medida em que os direitos imanentes da pessoa (direitos da personalidade) eram reconhecidos como um Direito Jusnatural, ou como chamam alguns, “Jusnaturalismo”[1].

Conceitualmente, afirma-se que o nome é uma das facetas do direito da personalidade (alocado no Código Civil nos artigos 16 a 19). Alicerçado na teoria Jusnaturalista, pode-se dizer que é um direito natural e que integra o chamado patrimônio mínimo existencial da pessoa. Como lecionam Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias: “o nome é o sinal exterior pelo qual são reconhecidas e designadas as pessoas, no seio familiar e social. Na imagem simbólica de Josserand, ‘é a etiqueta colocada sobre cada um’,[2] sendo, portanto, a forma de reconhecimento que as pessoas possuem umas com as outras no âmbito social, profissional, familiar, entre outros.

Quanto aos efeitos jurídicos, o nome torna possível a identificação da pessoa no meio da sociedade (estado social da pessoa) bem como no seio familiar (estado familiar da pessoa).

Destaca-se que o nome é um dos elementos essenciais do registro de nascimento, ato originário registral que permite a aquisição de todos os outros direitos ligados à cidadania. O Professor Limongi França, citado por FARAJ, Lenise Friedrich e FERRO JR, Izaías G. assim leciona:

“O nome, de modo geral, é elemento indispensável ao próprio conhecimento, porquanto é em torno dele que a mente agrupa uma série de atributos pertinentes aos diversos indivíduos, o que permite a sua rápida caracterização e o seu relacionamento com os demais.”[3]

Fato é que, os direitos básicos do cidadão, como o acesso ao serviço de saúde, educação, trabalho formal, previdência social, dentre outros, passam pelo registro do nascimento da criança, e o nome é o primeiro elemento essencial a este assento registral junto ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, ou seja, sem o registro da criança e seu nome, restaria incompleta a titularização de direitos essenciais ao cidadão.

Com relação ao regime jurídico, importante lembrar que o nome está previsto também no Direito Internacional. Nesse diapasão, preceitua a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) que toda pessoa tem direito a um prenome e ao sobrenome de seus pais ou ao de um deles (artigo 18 do Decreto Federal nº 678 de 06 de Novembro de 1992)[4].

Na seara interna do nosso ordenamento jurídico, destaca-se a regulamentação dada pelo Código Civil de 2002. A codificação vigente alocou a matéria no capítulo que abarca os direitos da personalidade, com previsão nos artigos 16 a 18 do Código. Encerrou-se, assim, a antiga discussão se o nome era um direito patrimonial ou um direito personalíssimo, claramente com opção tarifada neste último.

Em nível de legislação específica e especial, de suma importância e oportuno citar a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), que estabelece que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome (artigo 55).  A dicção do dispositivo é consonante com o artigo 16 do Código Civil e as atuais redações dos artigos deixaram de empregar a expressão “patronímico”, já há muito superada pelo tempo e que era utilizada para designar o nome de família no Código Civil de 1916.

No que diz respeito à natureza jurídica, há forte aproximação com o conceito do instituto, porquanto afirma-se ser um direito da personalidade. Alerta-se, contudo, não obstante para a pessoa do registrado o nome ser um direito, para o registrador civil a atribuição de um nome ao novo registrado é um dever regulamentar. Assim, é obrigação do delegatário da serventia extrajudicial da cidadania outorgar o nome ao registrado. O fará, inclusive, de ofício, caso do declarante não informe o sobrenome escolhido (artigo 55, §2º, da Lei 6.015/73).

 

Sobre a classificação do nome, imperioso citar o prenome (primeiro nome ou nome de “batismo”) e o sobrenome (nome familiar ou de ascendência). Estes são elementos mínimos e obrigatórios em nossa legislação.

 

Por outro lado, há outros elementos, chamados acidentais (ou não obrigatórios), como o agnome (que faz referência a outro parente, como neto, sobrinho, filho, Junior); as partículas de ligação (como o “de”, “da”); o axiônimo (ligados a títulos eclesiásticos ou de nobreza) e o pseudônimo (apelido como a pessoa é conhecida).


[1] O jusnaturalismo é uma teoria filosófica que defende a existência de princípios fundamentais e imutáveis ??de justiça que são inerentes à natureza humana e que devem guiar a criação e aplicação das leis. Apesar de ter sido influente na história do pensamento jurídico, o jusnaturalismo enfrenta diversas críticas, como: a) subjetividade e diversidade cultural: Os críticos argumentam que o jusnaturalismo assume a existência de princípios teóricos, mas muitos desses princípios são baseados em valores culturais e morais específicos. A diversidade cultural e a pluralidade de sistemas éticos ao longo da história e ao redor do mundo tornam difícil identificar um conjunto universal e imutável de princípios de justiça; b) ausência de base empírica: O jusnaturalismo defende a existência de leis naturais, mas muitas vezes não oferece provas empíricas concretas que apoiem a existência dessas leis. Isso torna difícil distinguir os princípios do direito natural de meras intuições morais ou inspiradas pessoais; c) falta de precisão: Outra crítica é que os princípios do jusnaturalismo são vagos e abstratos, o que dificulta sua aplicação prática. Sem critérios claros e objetivos, o jusnaturalismo pode não fornecer orientação suficiente para a criação e interpretação de leis; d) relação com a religião: Algumas teorias do direito natural têm raízes religiosas e sustentam que os princípios do direito natural derivam da vontade divina. Críticos argumentam que isso dificulta a separação entre direito e religião, o que pode levar a conflitos em sociedades multiculturais e pluralistas; e) inflexibilidade: O jusnaturalismo enfatiza a imutabilidade dos princípios do direito natural, o que pode torná-lo inflexível e inadequado para lidar com as mudanças sociais e culturais. Em contraste, o direito positivo pode ser mais adaptável e capaz de responder às necessidades de uma sociedade em constante evolução. BEDI, Gilmar Antônio. A DOUTRINA JUSNATURALISTA OU DO DIREITO NATURAL: Uma Introdução. Acesso em 02 abril 2023.

[2] ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves. Direito Civil. Teoria Geral, 6. ed., Lumen Juris, Rio de Janeiro: 2007, p. 274.

[3] O fim da imutabilidade do nome civil das pessoas naturais. Acesso em 26 março 2023.

[4] Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Acesso em 25 de fevereiro de 2023.


Gustavo Barcellos Farah: Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Itajú/SP, comarca de Bariri-SP. Pós Graduado em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Diretor da Associação de Registradores de Pessoas Naturais de São Paulo- ARPENSP.

 

Izaías G. Ferro Júnior: oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Especializado em Direito Civil e Processo Civil pela UES. Mestre em Direito pela EPD – Escola Paulista de Direito. Professor da graduação e da pós-graduação de Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios. Atual diretor de assuntos Agrários do IRIB. Autor de diversas obras em coautoria sobre temas registrais.

Fonte: Migalhas

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