Aprovado o PL 4.401/21 na Câmara dos Deputados como uma legislação destinada a regular, ou criar os parâmetros de regulação, do mercado de criptoativos, o setor e a legislação finalmente ganharam um marco regulatório mínimo para um ambiente disruptivo, que escancarou a velocidade da adequação legislativa às inovações tecnológicas. Ainda que possamos reconhecer diversos pontos de melhora no PL, temos que reconhecer que a edição de alguma lei ainda é melhor que a ausência de qualquer regulação.
A criação do marco regulatório dos criptoativos — como vem sendo chamado, serve também para uma nova roupagem para essa classe de ativos, uma vez que busca dar uma maior chancela a esse mercado, permitindo a existência de um ambiente regulado — que deva se submeter a todas as normas aplicáveis do setor financeira, por direito aplicável, desmistificando a associação — quase sempre absurda e com teores inimagináveis de desconhecimento, de cripto e crime.
Além disso, tal proposição legislativa é acertada ao não invadir a competência organizacional do Poder Executivo, dando a esse a oportunidade de, conforme melhor análise de conveniência e aptidão, definir qual ente da administração pública federal terá competência para regular o mercado dos ativos virtuais e dos seus prestadores de serviços.
Contudo, para aqueles mais familiarizados com as inovações tecnológicas da indústria cripto, tal texto, apesar de um excelente início para o devido desenvolvimento da criptoeconomia nacional, resta sua atuação focada por entes centralizados, os quais vêm sofrendo diversos baques de credibilidade devido a controles de risco deficientes — ou mesmo inexistentes.
Essas instituições centralizadas são propensas a acúmulos de risco desmedido, pois possuem finanças sem níveis adequados de transparência, e, muitas vezes, possuem “sistemas de recompensas financeiras” para seus funcionários, desalinhados com o interesse de seus usuários, criando um ambiente de hipervulnerabilidade para os consumidores.
Esses projetos centralizados devem, de fato, ter uma regulação direcionada as suas atividades, haja vista o cenário generalizado de assimetria da informação. No entanto, com o contínuo avanço da tecnologia blockchain, a própria ideia de projetos centralizados — com intermediários com poder discricionário sobre a administração do programa, vem se tornando obsoleta, especialmente, com o surgimento de complexos ecossistemas financeiros digitais e descentralizados.
DeFi, ou finanças descentralizadas, aproveita os benefícios do blockchain e da tecnologia de registro distribuído para reinventar o sistema financeiro. Ao operacionalizar smart contracts, o DeFi permite a operação descentralizada e autônoma de serviços financeiros, levando a uma profunda transformação dos serviços financeiros tradicionais e tornando desnecessário o envolvimento de agentes institucionais confiáveis, como instituições financeiras.
A descentralização financeira transfere a confiança que os participantes do mercado depositam nos agentes institucionais para as regras de código e de consenso da rede.
A ascensão do DeFi permitiu que essa tecnologia passasse de uma ideia utópica a uma solução prática para lidar com os riscos associados aos sistemas financeiros tradicionais e centralizados, os quais frequentemente estão sujeitos à manipulação por intermediários humanos, tendo a tecnologia DeFi tem o potencial de eliminar esses riscos e atender melhor às necessidades de todas as partes envolvidas.
O DeFi possui um altíssimo nível e transparência, com todos os detalhes dos protocolos e suas operações disponíveis na blockchain para qualquer um ver, diferenciando-se novamente do sistema financeiro tradicional em que muitas das operações e decisões tomadas pelas instituições podem ser opacas e, minimamente, eticamente dúbias.
Ainda que, de fato, fraudes sejam comuns no ambiente financeiro, essa é uma conclusão básica ao percebermos que esse ecossistema floresce na confiança — o ponto de partida do fraudador. Você não pode ter uma fraude sem confiança e boa parte do nosso sistema financeiro institucional depende diretamente da confiança que nós depositamos nos agentes intermediários institucionais. E é justamente isso a máxima do DeFi: finanças sem confiança.
Apesar de ser uma grande tragédia para a criptoeconomia como um todo fraudes perpetuadas utilizando-se da tecnologia blockchain como máscara para todo o ardiloso esquema fraudulento, como nos casos da FTX, 3AC, Terra/Luna, Voyager, etc., a perda de confiança dos agentes institucionais e de varejo em instituições ou agentes financeiros centralizados, reforça o valor do DeFi, uma vez que à medida que perdemos a confiança nas finanças centralizadas, devemos ganhar confiança no DeFi.
Alguns grandes players já reconhecem o DeFi como resposta às recentes fraudes descobertas com o avanço do bear market que vivemos, como o Telegram, que anunciou o desenvolvimento de uma carteira digital e exchange descentralizadas para negociações de moedas digitais. No mesmo sentido, gigantes do mercado financeiro, como a JP Morgan, que tornou clara sua posição em identificar agentes centralizados como a causa para os recentes colapsos cripto, como o da FTX.
Por fim, há valor no Marco Regulatório dos Criptoativos, mas a nova lei já chega defasada no que diz respeito a inovação. Novas tecnologias precisarão de olhares atentos do Executivo e Legislativo ainda em 2023, de forma que modelos descentralizados resultam no relacionamento justo entre economia e sociedade.
Fonte: Conjur