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Ter�a, 06 de Janeiro 2009

P A R E C E R

Ementa:

A criação, extinção e modificação de ofícios extrajudiciais, bem como criação de novos ofícios a partir de modificação de critérios de divisão territoriais, devem observar o princípio da reserva legal. Delegação e extinção de delegação de serviços notariais e de registros: competência, em princípio, do Poder Executivo. Negativa de liminar em ação direta de inconstitucionalidade não vincula análise de nova ADIn que possua causa de pedir diversa. A negativa de liminar não pode importar em presunção de legitimidade de norma jurídica já revogada.

I. Contextualização.

II. A Consulta.

III. Premissas.

José Maria de Almeida César e Irineu Antonio Pedrotti. Serviços notariais e de registro. São Paulo: Leud, 1996, p. 17 e seguintes). Substanciam verdadeiro mecanismo para conferir maior transparência, estabilidade e confiança a diversos aspectos e situações da vida jurídica dos cidadãos (Paulo Roberto de Carvalho Rêgo. O registro de títulos e documentos: um instrumento jurídico para segurança da sociedade. In: ?id=3382, acesso em 23.09.2004, p. 2).Rosana Millen Zappa. O regime jurídico dos notários e registradores. Dissertação de mestrado aprovada no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, 2000, p. 44-50, inédito).Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 1991, p. 32). De modo que, sem a existência de um modelo específico e rígido de repartição de competências territoriais, não se poderá cogitar de Estado Federal.José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo, 19ª ed., São Paulo : Malheiros, 2001, p. 479). E, nesta, é Hans Kelsen quem assevera que em toda federação haverá, pelo menos, a verificação de existência de três ordens jurídicas: uma nacional, uma federal e outras locais (Hans Kelsen. Teoria pura do Direito, 2ª ed., Coimbra: Martins Fontes, 1987, p. 328 e ss.). A primeira, reporta-se à ordem jurídica geral e as outras, a ordens jurídicas parciais.Raul Machado Horta. Estudos de direito constitucional, Belo Horizonte : Del Rey, 1995, p. 71).Fernanda Dias Menezes de Almeida. Op. cit., p. 81).

IV. Regulamentação da atividade delegada notarial e de registro: o tratamento fixado pela Constituição e pela União Federal.

Regnoberto Marques de Melo Junior. A instituição notarial no direito comparado e no direito brasileiro. Fortaleza: Casa de José de Alencar editorial, 1998, p. 232 e seguintes). Ela regulamenta, assim, o art. 236 da Constituição Federal.DOU II de 21.11.1994, Seção I, p. 17.515).Walter Ceneviva. Lei dos notários e registrados comentada. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 27).Robert Dahl. Democracy and its critics. New Haven: Yale University Press, 1989, p. 85).Rosana Millen Zappa. Op. cit., p. 43).Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 139).idem, ibidem).Celso Antônio Bandeira de Mello. Apontamentos sobre os agentes e órgãos públicos, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 8-9).idem, ibidem).Ovídio Baptista da Silva. O notariado brasileiro perante a constituição federal. In: , acesso em 11.02.2000, p. 9).STF. Questão de Ordem em Petição n.º 2915-1, de São Paulo. Relator Min. Sepúlveda Pertence) (STF – Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.602-0 – Minas Gerais – Rel. Ministro Moreira Alves – DJU 03/04/2003).

V. Delegação de função, legalidade e reserva de lei.

Celso Antônio Bandeira de Mello. Prestação de serviços públicos e administração indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1987, p. 17).Hely Lopes Meirelles. Direito administrativo brasileiro, 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 1993, p. 76).O. A. Bandeira de Mello. Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, Volume II, 1974, p. 364).Min. Sepúlveda Pertence. ADIn n.º 1583).José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo, 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 425 e seguintes).Jorge Reis Novais. Contributo para uma teoria do estado de direito – do estado de direito liberal ao estado social e democrático de direito, Coimbra: Coimbra, 1987, p. 89 e seguintes). Em outras palavras, na legalidade, demanda-se a atuação conforme a lei, ainda que se trate de ato privado ou infralegal. De maneira diversa, o princípio da reserva legal impões não apenas um agir conforme lei mas, antes, um agir através da lei, pela lei.J. J. Gomes Canotilho. Direito constitucional, 5ª ed., Coimbra: Almedina, 1991, p. 796-7).J. J. Gomes Canotilho. Op. cit., p. 798-9).Manuel Afonso Vaz. Lei e reserva da lei – a causa da lei na constituição portuguesa de 1976, Porto: Universidade Católica Lusitana, 1992, p. 34). Cite-se, ainda, no Brasil, Geraldo Ataliba, que neste sentido, referindo-se a tais institutos (ambos sob o manto geral do princípio da legalidade), fala em subordinação positiva e subordinação negação dos Poderes Públicos ao Direito. Enquanto a formulação negativa da legalidade sublinha a prevalência dos atos do Legislativo sobre os atos do Executivo e, em particular, da administração, a formulação positiva assinala o caráter de subordinação daquela à lei, como verdadeira garantia dos particulares contra intervenções na esfera de direitos fundamentais, a não ser que estas se operem em virtude de lei (Geraldo Ataliba. Decreto regulamentar no sistema brasileiro. Revista de Direito Administrativo, n.º 97, 1969, p. 67 e seguintes).

VI. Inobservância da reserva de lei.

J. J. Gomes Canotilho. Op. cit., p. 804).De Plácido e Silva. Vocabuário jurídico, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 1331).na já citada ADIn n.º 1583), Marco Aurélio (também na ADIn n.º 1583) e Néri da Silveira. Este último, aliás, é bastante claro:Ministro Néri da Silveira. Recurso Extraordinário n.º 178.236).

VII. Princípio da legalidade.

Gilberto Valente da Silva. Breves anotações à lei 8.935/94, In: JACOMINO, Sérgio – Coord. Registro de imóveis – estudos de direito registral imobiliário. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris editor, 1997, p. 154 e seguintes).Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernandez. Curso de direito administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 478-9).

VIII. A ADIn n.º 2415-9.

X. Resposta aos quesitos.

Professor Doutor em Direito Constitucional

Titular da UFPr e da UniBrasil

Professor nos Cursos de Mestrado e Doutorado

01. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – TJ/RJ, através de ato emanado do seu Órgão Especial, editou, em 16 de Setembro de 2004, a Resolução n.º 12/04.

02. De acordo com os seus artigos, foram criadas, no Município do Rio de Janeiro, sob fundamento da comodidade, eficiência e menor onerosidade, 18 (dezoito) serventias extrajudiciais de registro de imóveis (art. 1º), passando a cidade a totalizar 29 (vinte e nove) ofícios, o que importou em substancial modificação das delegações até então existentes.

03. Com efeito, a partir da referida Resolução nota-se, pelo teor do art. 2º, que o território do Município do Rio de Janeiro, para fins de prestação dos serviços de registro de imóveis, ficou dividido em 29 (vinte e nove) circunscrições, definidas pelo critério geográfico de bairros, em substituição ao critério anterior, que se fundava na demarcação das antigas freguesias.

04. Por tal razão, determinou-se que os ofícios deverão se instalar nas sedes das novas circunscrições (art. 3º) e fixou-se prazo de 30 (trinta) dias para que os atuais Titulares de Registro de Imóveis optem por alguma circunscrição correspondente a um dos bairros abrangidos pela atual serventia (art. 4º, caput e § 1º). Caso haja conflito de interesses na opção, a resolução determina que o desempate se dará mediante observância do critério da antigüidade (art. 4º, § 3º), sendo que, ainda, a Corregedoria-Geral da Justiça deverá indicar os atuais titulares que, até o provimento de todas as circunscrições criadas, responderão pelas serventias que restarem vagas após o exercício das opções (art. 5º).

05. Com isso, em suma, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mediante simples ato administrativo, criou e extinguiu (determinando outras conseqüências daí derivadas) serventias extrajudiciais submetidas ao regime da Lei Federal n.º 8.935/94 e da Lei nº 6.015/73.

06. Referida medida, assinale-se, com peculiaridades diversas, havia sido adotada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, também por ato administrativo consubstanciado no Provimento n.º 747/2000, além de disciplinar questões vinculadas a acumulação e desacumulação de serventias, determinou a criação e extinção de novos ofícios de registro civil. Nada obstante, através do Provimento n.º 750/01, revogou-se o Provimento antes citado na parte em que disciplinava a extinção e criação de novas unidades e delegações.

07. Ainda assim, a Associação dos Notários e Registrados do Brasil – ANOREG/BR, entidade de classe de âmbito nacional, aforou a ADIn n.º 2415-9 contra os Provimentos do Tribunal de Justiça de São Paulo.

08. O Supremo Tribunal Federal, neste caso, por maioria de votos, denegou o pedido de liminar formulado sendo que, destarte, agora o feito aguarda o julgamento de mérito

 

01. Perante o quadro descrito, e considerando, portanto, a iminência da realização dos efeitos da Resolução n.º 12/04, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, consulta-nos, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR, mediante quesitos, o seguinte:

Primeiro

Segundo

Terceiro

Quarto

Quinto

: A lei, a que se refere o art. 236, § 1º, da Constituição Federal, é exaustiva? Pode existir outra lei disciplinando outros conteúdos ali não abordados?
: A Resolução n.º 12/04, do Tribunal de Justiça fluminense, uma vez que outorga as novas delegações sob critério de bairros, e não freguesias, fere direitos adquiridos dos atuais delegatários? A medida (mudança do critério) poderia ser realizada por ato administrativo?
: A decisão denegatória de liminar na ADIn n.º 2415-9 pode servir de parâmetro para o julgamento de eventual ação direta de inconstitucionalidade proposta contra o ato do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro?
: A qual autoridade compete a delegação das funções notariais e de registro?
: Diante da ordem constitucional brasileira pode-se considerar legítima a criação, extinção e modificação de ofícios extrajudiciais mediante ato administrativo emanado do Tribunal de Justiça? Ou a medida estaria submetida às exigência da reserva de lei?

02. Essas são as questões que, de forma global, passam a ser enfrentadas.

 

01. A Constituição Federal de 1988, em grande parte, inovou, em relação ao sistema constitucional anterior, o regime jurídico aplicável aos titulares de serviços do foro extrajudicial, nomeadamente os notários e os oficiais de registro. Com efeito, estabelece a Lei fundamental, no art. 236, que:

02. A Lei Federal n.º 8.935/94, como se sabe, regulamentou, embora não de forma exaustiva, o art. 236, da Constituição Federal. Em face disso, o disposto em legislação estadual a respeito dos serviços notariais e de registro, na medida em que colidir com a lei federal, em princípio, estará revogado ou, tratando-se de normas posteriores à promulgação da Carta Magna, será inconstitucional.

03. No quadro dos sistemas constitucional e infraconstitucional brasileiros as serventias judiciais e extrajudiciais desempenham importante papel para o bom andamento dos atos jurídicos processuais e para a segurança e controle dos atos negociais (

04. A Constituição Federal, tratando desses ofícios, como se anunciou, em seu art. 236, cuidou de dispor que "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público".

05. Afirmar que as atividades notariais e registrais são exercidas em caráter privado implica reconhecer, no mínimo, que nada obstante serem reguladas e fiscalizadas pelo Poder Público, (i) os titulares desses serviços não serão remunerados pelos cofres públicos, (ii) submetem-se, a partir da edição da lei, e preservadas as situações pretéritas, ao regime geral da previdência e que, (iii) por se tratarem de particulares, não ocupam cargos mas, sim, desempenham funções públicas, podendo eventualmente ser enquadrados na categoria geral de agentes públicos porém, jamais, na categoria de servidores ou funcionários públicos (

06. Em sendo assim, insta indagar qual o limite competencial do Poder Público, federal e estadual, em relação a tais serviços.

07. Sabe-se que a Constituição de 1988 adota, como princípio fundamental da República, a forma federativa de Estado (art. 1º, caput). A federação, como princípio estruturante que é, encontra-se inclusive protegida no rol das cláusulas pétreas, especificamente através do art. 60, § 4°, I, da Lei Fundamental. Isto implica dizer que, no Brasil, tem-se a convivência de diversas ordens políticas que, em campos próprios, atuam com relativa autonomia de governo, legislação, administração, finanças e tributos etecetera. A repartição constitucional rígida de competências é dado inafastável nas federações (

08. Por esta razão é que uma das notas características da federação é a existência de diversos ordenamentos jurídicos vigentes, concomitante, sobre um mesmo território (

09. Destarte, caberá à União produzir duas espécies de normatividades: uma de ordem parcial (mediante leis federais), que diz respeito apenas a seus interesses de pessoa jurídica de direito público interno; e outra de ordem geral (mediante leis nacionais), que diz respeito aos interesses de toda coletividade e de todos os entes federados.

10. Por certo, é a Constituição Nacional (federal) quem deverá definir o campo de atuação normativa de cada ente da federação, reservando um sítio de matérias nacionais, definidas no Texto Fundamental, que não poderá ser vulnerado pelas ordens parciais: trata-se das chamadas "normas centrais".

11. Logo, vê-se que a Constituição Federal, ao mesmo tempo que garante autonomia aos entes federados, reserva um núcleo de matérias, de interesse comum ou geral, que somente poderá ser disciplinada pela União mediante normas centrais vinculantes de todas as esferas integrantes da federação (

12. A Constituição Federal de 1988, nesta linha, adota sistema de repartição de competências inspirado, simultaneamente, nos modelos alemão e americano. Todavia:

"O sistema de partilha de competências [no Brasil], como um todo, mais se aproxima do sistema alemão, com a previsão das competências legislativas e não legislativas da União em artigos distintos; com a separação, também, das competências comuns legislativas e não legislativas; com a previsão de delegação de competências legislativas da União aos Estados por lei federal; com a repartição vertical da competência legislativa concorrente cabendo as normas gerais à União e a legislação suplementar aos Estados" (

13. Na técnica de repartição praticada no Brasil ainda se nota que a chamada competência residual, exceto quanto aos impostos, cabe ao Estados. É o que se extrai do teor do art. 25, § 1°, da Carta Magna, quando preceitua que "são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição".

14. No que tange com o tema em estudo, sobre tratar-se de serviços cuja titularidade material é, quantitativamente, em regra dos Estados-Membros, sendo que a União contracena apenas nos serviços notariais e registrais de Territórios e Distrito Federal, parece certo que, na seara legislativa, ocorre o inverso, observando-se nítida concentração de competências no sítio federal.

15. Com efeito, é de se notar que, de acordo com teor do art. 22, XXV, compete à União legislar, privativamente, sobre registros públicos. Em relação à natureza dos serviços, o art. 236, caput, já citado, da Lei Fundamental, afirma que as atividades registrais, assim como as notariais, serão exercidas por particulares mediante delegação do Poder Público (regulamentação geral encontra-se, como também se afirmou, na Lei Federal n.º 8.935/94).

16. Quanto ao § 1º, do art. 236, tem-se que "lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário". Encontra-se aqui, como se sabe, matéria reservada ao campo de atuação legislativa privativa da União Federal. Ao Estados-Membros, nesta seara, cabe, de um modo geral, tratar do exercício de fiscalização através do Poder Judiciário local.

17. Em relação ao § 2º, do art. 236, o constituinte nacional foi inequívoco ao dispor que "lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro" (competência esta plasmada no teor da Lei Federal n.º 10.169/2000). Logo, neste particular, tem-se competência concorrente em que a União Federal disciplina normas gerais e os Estado atuam em sede complementar ou supletiva.

18. Finalmente, no que tange com o § 3º, do art. 236 ("o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses"), tem-se aí conteúdo cujo trabalho legislativo compete à União quanto aos serviços de Distrito Federal e Territórios e aos Estados-membros, observadas as regras definidas pela Lei Maior e pela Lei Federal n.º 8.935/94.

19. Esta distribuição competencial, nada obstante a concentração de disciplina no campo federal, não afasta, portanto, a atuação material e legislativa dos entes federados. Até porque, como se afirmou, a prestação material desses serviços concentra-se, em maior parte, no sítio estadual e, ainda, legislativamente, podem os Estados-membros dispor, como se disse, sobre parte da matéria no que for atinente com (i) organização e divisão judiciárias (art. 125, § 1º), (ii) implementação de meios de fiscalização pelo Poder Judiciário (art. 236, § 1º, segunda parte) e (iii) fixação de emolumentos, aqui de forma complementar ou supletiva.

20. Destarte, nota-se que, observadas as regras gerais definidas pela União Federal, a intervenção legislativa do Estado-membro, quanto às atividades notariais e registrais, é revestida, em princípio, de singela significação. Haverá de observar, sempre, a definição de conteúdo e de regime da Lei n.º 8.935/94, da Lei de Registros Públicos, das normas de previdência e das regras gerais envolvendo emolumentos e custas etc., verdadeiras normas centrais em relação às questões sob estudo.

 

01. Estabelecidas tais premissas, cumpre investigar, em primeiro lugar, a natureza da delegação e o regime jurídico, constitucional e legal, ao qual se submetem os serviços notariais e de registro.

02. Conforme já se referiu, o art. 236, caput, da Constituição Federal de 1988, preceitua que "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público". Diante do preceito, como se pode interpretar a locução "por delegação do Poder Público"? Qual ente federativo tem competência para definir o regime da referida delegação?

03. Ora, de acordo com o que já restou assentado, em relação à matéria legislativa concernente à disciplina das atividades notariais e registrais, conquanto substanciarem serviços realizados eminentemente no plano estadual, nota-se relativa prevalência da normação federal. A manifestação legislativa estadual, basicamente, limita-se à disposição sobre parte da matéria no que for atinente com (i) organização e divisão judiciárias (art. 125, § 1º), (ii) implementação de meios de fiscalização pelo Poder Judiciário (art. 236, § 1º, segunda parte) e (iii) fixação de emolumentos em caráter complementar ou supletivo.

04. No caso sob estudo, uma primeira leitura aponta para a conclusão de que a competência para a disciplina geral da matéria não cabe ao Estados-membros e, sim, à União Federal, eis que não se está a transitar pelo campo de fixação de emolumentos, nem da implementação e meios de fiscalização e, tampouco, de organização e divisão judiciárias. Assim, a sistemática da distribuição de competência constitucional apontaria no sentido de que a titularidade legislativa para definir a natureza desses serviços e seu regime geral, repita-se, encontra-se no limite da atuação da União Federal. Daí, algumas conseqüências podem ser extraídas.

05. De acordo com o que se afirmou, a Lei n.º 8.935/94, é o ato legislativo federal que disciplina as regras gerais para os serviços notariais e registrais (

06. Com tal premissa, de acordo com a sistemática desta lei, a quem competiria o provimento (delegação) das serventias extrajudiciais?

07. A resposta, neste quadrante, indica que a competência reside no âmbito de atuação do Chefe do Poder Executivo. Deveras, algumas razões demonstram a consistência da tese.

08. Em primeiro lugar, descarta-se a hipótese dessa competência caber ao Poder Judiciário em vista do veto do art. 2º, da Lei n.º 8.935/94, que assim pretendia dispor:

"Os serviços notariais e de registro são exercidos, em caráter privado, por delegação do Poder judiciário dos Estados-Membros e do Distrito Federal".

09. O veto presidencial, que não restou afastado pelo Congresso Nacional, fundou-se na inconstitucionalidade do dispositivo. Afinal, o caput do art. 236 refere-se a "Poder Público", e não Poder Judiciário. Com efeito, a fundamentação do veto, conquanto sucinta, assim dispõe:

"O art. 236 da Constituição Federal explicita que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado por delegação do poder público não fazendo remissão a qualquer dos poderes.

De sua vez, o § 1º da mesma disposição constitucional explicita que a lei disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos seus notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos e definirá a fiscalização dos seus atos pelo Poder Judiciário, o que deixa implícito que a este Poder não cabe a delegação, impondo-se o veto do dispositivo" (

10. Nesta linha, comentando as razões do veto, Walter Ceneviva assevera:

"As razões do veto examinaram de modo correto a impropriedade do texto aprovado. O Poder Judiciário fiscaliza, mas não delega. A Carta, ao tornar expresso que a competência do Poder Judiciário é para a fiscalização – não acrescentando qualquer outra, que aliás, também é estranha aos demais dispositivos constitucionais – estabeleceu a fronteira para a intervenção da Magistratura nos serviços notariais e de registro, acrescida da verificação disciplinar que dela decorre" (

11. Logo, pelas próprias razões do veto, afasta-se a possibilidade de interpretação no sentido de que a competência da delegação seja do Poder Judiciário. Afinal, uma vez ocorrido o veto, conquanto a situação determine, em princípio, uma lacuna, o vazio, ao menos no plano normativo federal, não pode ser interpretado em detrimento da manifestação parlamentar. Com efeito, aqui, qualquer hermenêutica diversa não poderá substituir a preferência da opção manifestada no veto. A democracia, neste aspecto, impõe uma presunção em favor da deliberação da maioria, que não pode ser afastada sem razões inequívocas demandadas por imperativo de Justiça e igualdade (

12. Não fosse por isso, outras razões jurídicas impõem conclusão idêntica. Neste sentido, observe-se, por exemplo, que a partir da sistemática da Constituição de 1988, os notários e registradores deixaram de ser considerados servidores públicos e passaram a ser tratados como agentes delegados, ou seja, agentes públicos (

13. Isto implica concluir que eles se submetem a regime jurídico diverso daquele definido como estatutário, ao qual estão submetidos os demais auxiliares da Justiça. Isto porque, tornando-se agentes delegados destinados a "garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos" (art. 1º, da Lei n.º 8.935/94), tem-se que suas atividades precedem à judicial, e, assim, não podem ser consideradas "auxiliares" desta. Até porque (i) são serventias extrajudiciais (e não judiciais), (ii) são exercidas em caráter privado (embora sob o rótulo da delegação) e, repise-se, (iii) apenas fiscalizadas pelo Poder Judiciário. Não integram a estrutura deste. Não são propriamente auxiliares deste, mas sim, mediante compreensão teleológica, garantem a segurança geral dos atos jurídicos praticados por particulares. A repercussão, logo, de seus atos, é extremamente importante.

14. Então, parece residir longe de quaisquer dúvidas a existência de uma distinção entre (i) os serventuários da Justiça, com vínculo imediato com o Poder Judiciário, nesta sede competente pelos provimentos originários e derivados, (ii) e os agentes delegados (notários e registradores), cujas atividades são repassadas aos particulares pelo Poder Público mediante delegação, são reguladas por lei específica (que não o Código de Organização e Divisão Judiciárias) e em relação às quais compete ao Judiciário, em princípio, apenas a fiscalização dos seus atos registrais e notariais.

15. Destarte, é de se compreender que a Constituição de 1988, mais uma vez, criou um regime jurídico próprio para os notários e registradores, cuja delegação decorre de atribuição do Poder Público, razão pela qual a legislação infraconstitucional, em vista das peculiaridades jurídicas dos serviços em questão, não conferiu a competência para tal delegação ao Poder Judiciário.

16. Assim, pela sistemática, tem-se por certo, diante da regulamentação federal da matéria, da natureza dos serviços, da inconfiguração de verdadeira atividade exterior ao Judiciário, da inexistência de uma "carreira" vinculada a esse Poder e do veto ao art. 2º, da Lei n.º 8.935/94, que a locução "por delegação do Poder Público", do caput do art. 236, da Constituição de 1988, não pode ser compreendida como "delegação do Poder Judiciário".

17. Tanto assim, prossiga-se, que, para fins previdenciários e de pessoal dos ofícios extrajudiciais, os exercentes dessas funções delegadas não ocupam cargos públicos – de relação estatutária – mas sim desempenham atividade pública. Com isso, mais uma vez, longe de serem servidores públicos, os titulares (e seus funcionários) de serviços notariais e de registro podem, no máximo, ser considerados particulares em colaboração com a Administração Pública. Não perdem, portanto, a característica de agentes privados.

18. Então, afirmar que os titulares das serventias extrajudiciais recebem delegação do Poder Judiciário seria o mesmo que equipará-los, quanto ao regime da atividade, aos agentes ocupantes de cargo. E não é isso o que sucede. Isto porque, tratar um agente privado como se ocupante fosse de cargo público, implicaria retirar-lhe a natureza particular, implicando agressão ao disposto no art. 236, caput, da Constituição Federal.

19. Note-se, nesta linha de argumentação, mais uma vez, que a Constituição Federal, em várias passagens, demonstra adotar a distinção entre cargos, empregos e funções públicas. Observe-se, nesta linha, o teor do art. 37, I ("os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros..."), que discrimina expressamente essas diversas categorias. Não se trata, por óbvio, de utilização de palavras aleatórias. A distinção, nesta sede, decorre de regime jurídico diferenciado ao qual cada uma delas se submete. Em nível infraconstitucional a distinção também existe e, nesta linha, basta observar o teor do art. 2º, da Lei de Improbidade Administrativa ("reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce... mandato, cargo, emprego ou função...").

20. Por cargo entende-se a mais simples e indivisível unidade de competência a ser expressa por um agente, prevista em número certo, com denominação própria, retribuída por pessoa jurídica de direito público e criada por lei, submetendo-se ao regime institucional ou estatutário (

21. Os empregos públicos, por sua vez, "são núcleos de encargos de trabalho a serem preenchidos por agentes contratados para desempenhá-lo, sob relação trabalhista". Sujeitam-se, ainda, "a uma disciplina jurídica que, embora sofra algumas inevitáveis influências advindas da natureza governamental da contratante, basicamente, é a que se aplica aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho" (

22. Função, finalmente, é expressão reservada àquelas atividades públicas desenvolvidas por particulares em colaboração com a Administração Pública. As funções são públicas; mas, porém, quem as exercem são pessoas ou entidades privadas e, assim, não ocupam cargo e nem emprego (

23. O art. 236, caput, da Constituição Federal, quando afirma que os serviços notariais e registrais são exercidos em caráter privado, certamente está a definir uma função. Tanto é assim que Celso Antônio Bandeira de Mello, ainda no regime da Constituição anterior, mas em lição cabível ao presente contexto constitucional, já afirmava o seguinte:

"Os serventuários públicos, isto é, titulares de escrivanias de justiça oficializadas e escreventes, são funcionários quando pagos total ou parcialmente pelos cofres públicos, ou apenas assimilados aos funcionários quando recebem tão-só custas e emolumentos diretamente dos usuários dos serviços. Quando a escrivania de justiça não é oficializada, seus titulares e empregados não são funcionários públicos nem se devem considerar a eles assimilados. Os titulares de tais ofícios são particulares em colaboração com a Administração, na condição de delegados de ofício público" (

24. Portanto, dizer que a competência para delegação dessas funções caberia ao Poder Judiciário implicaria equiparar, neste campo, atividades exercidas sob regimes jurídicos absolutamente distintos, realizando inadmissível unificação de categorias que o constituinte originário quis, em verdade, distinguir. Nesta linha, aliás, também transita Ovídio Baptista da Silva, para quem o instituto notarial se caracteriza como um serviço público delegado, a ser exercido por profissionais do direito, na condição de agentes privados e, conseqüentemente, as pessoas investidas na função notarial não são funcionários do Estado e nem participam dos quadros do serviço público (

25. Aliás, ao que parece, não é por diverso motivo que o Supremo Tribunal Federal tem declarado a inconstitucionalidade de leis estaduais que impõem aposentadoria compulsória a notários e registradores, reconhecendo-os como integrantes de categoria apartada dos serventuários da Justiça, estes, sim, submetidos ao jugo do Poder Judiciário e do regime estatutário. E, na linha do raciocínio, tem-se, por conseqüência, também reconhecido que os Presidentes dos Tribunais de Justiça não podem decretar a aposentadoria compulsória desses agentes delegados e nem mesmo, como corolário, declarar a vacância das respectivas funções. Destarte, a contrario sensu, se os Presidentes dos Tribunais de Justiça não podem declarar a vacância, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, pelos mesmos motivos também lhes foge a competência para a delegação (provimento).

26. Note-se, nesta linha, a seguinte manifestação do Supremo Tribunal Federal:

"EMENTA: Notários e oficiais de registro: sujeição ou não à aposentadoria compulsória por idade, à vista da nova redação do art. 40 CF, cf. EC 20/98: impertinência da questão aos que completaram setenta anos antes da emenda constitucional.

1. A resistência dos titulares dos serviços notariais e de registro à aposentadoria compulsória por idade – à qual os entendia sujeitos a jurisprudência do STF -, se tem reputado plausível à vista da nova redação do art. 40 e § 1º da Constituição, ditada pela EC 20/98 (...)" (

De forma ainda mais incisiva o Supremo Tribunal Federal definiu, na ADIn n.º 2.602, em sede de liminar, que "os notários e registradores não estão sujeitos a aposentadoria compulsória pelo implemento da idade de 70 (setenta) anos". Em idêntico sentido: RE n.º 254.065-0/SP; RE n.º 178.236-6/RJ e ADIn n.º 575-8/PI e MSMC n.º 23831/DF.

Nas decisões exemplificativamente citadas, os argumentos para a declaração de inconstitucionalidade transitam pela distinção do regime jurídico de notários e registradores sob o manto da Constituição de 1988, seguindo a idéia de que a competência do Tribunal de Justiça, neste sítio, limita-se à atividade de fiscalização. Afinal, repise-se, não são verdadeiramente auxiliares da Justiça, não ocupam "cargo efetivo" e nem se submetem a uma carreira vinculada ao Judiciário.

Observe-se, assim, a decisão na ADIn 2602/MG:

"De outra parte, embora a citada Lei seja omissa quanto à competência para a declaração de vacância e para a outorga e/ou seu fazimento, o que é certo é que esses agentes delegados não podem ser considerados auxiliares da justiça, não tendo o Poder Judiciário competência normativa para editar recomendações, proibir, autorizar ou vedar qualquer comportamento desses agentes delegados, até porque o Poder Delegante não é ele"

27. Na decisão citada, portanto, a fundamentação reconhece que os Presidentes dos Tribunais de Justiças não ostentam mais competência para determinar a aposentadoria compulsória de notários e registradores e, tampouco, podem declarar, via de conseqüência, a vacância dos respectivos ofícios. Insista-se: pode-se, então, dessumir-se que, pelas mesmas razões, fundadas na distinção de regime jurídico, falta aos Presidentes de Tribunais de Justiça a competência para a delegação (provimento).

28. Conclui-se, destarte, que a competência para delegar função notarial e de registro, ao menos no plano federal, cabe ao Poder Público, compreendido este, para tal fim, como o Poder Executivo, eis que esta atribuição está afastada do âmbito competencial do Poder Judiciário.

29. É de ressaltar, por fim, que seria, por hipótese, sustentável, a tese de que, sob o manto da autonomia legislativa estadual (e nesta sede com fulcro na autonomia para dispor sobre organização e divisão judiciárias ou mesmo a residual), pudessem os Estados-Membros dispor de modo diverso, enunciando que o Poder Público competente para nomeação e declaração de vacância dos ofícios extrajudiciais é o Judiciário.

30. Nesta hipótese seria de se atentar que a opção, no plano local, por modelo diverso do adotado no âmbito federal, haveria de se manifestar, evidentemente, de forma expressa. Isso porque, dispondo a União de competência para regular a matéria, o campo de atuação estadual seria apenas o residual. Assim, em caso de silêncio do legislador estadual, haverá de prevalecer a opção central, manifestada pela União, e que neste sítio, pelas razões anteriormente apontadas, dá-se no sentido de que Poder Público é o Poder Executivo.

31. Nada obstante, uma vez o legislador estadual decline que tal competência haverá de ser do Poder Judiciário, a opção legislativa estadual, aqui também tributária do respeito ao princípio majoritário e da representação, deverá prevalecer.

32. Mas tal não sucede, deixe-se claro, no Estado do Rio de Janeiro. Afinal, demonstrou-se que, por decorrência do regime constitucional, notários e registradores não ocupam cargo, não são servidores efetivos e nem tampouco auxiliares da Justiça. E, nesta sede, o Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro limita-se, em seu art. 30, XIV e XV, a afirmar:

"Art. 30. Ao Presidente do Tribunal de Justiça, que é o chefe do Poder Judiciário, compete:

XIV – prover, em nome do Tribunal e na forma da lei, os cargos efetivos integrantes dos quadros de pessoal dos serviços auxiliares compreendidos pelas secretarias do Tribunal e da Corregedoria, os desta por indicação do Corregedor, baixando os atos respectivos de nomeação, promoção, acesso, transferência, readmissão, reintegração, aproveitamento e reversão.

XV – declarar, em nome do Tribunal e na forma da lei, a vacância dos cargos referidos no inciso antecedente, baixando os atos respectivos de exoneração, demissão, promoção, acesso e aposentadoria".

Assim, como se nota, as disposições não se aplicam a notários e registradores, que, como se demonstrou, na reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nem ocupam cargos efetivos e nem integram o quadro de "serviços auxiliares".

33. Nada obstante, ainda que se entenda em sentido diverso, ou seja, ainda que se sustente que oficiais notariais e de registro, para esta finalidade, ou ocupam cargo efetivo ou integram o quadro de serviços auxiliares, para que houvesse nomeação, seria preciso que antes os cargos fossem criados por lei. E isso até mesmo por exigência da própria legislação estadual que, através da Lei Estadual n.º 2.085-A, de 05 de Setembro de 1972, dispõe:

"Art. 1º. Os servidores da Justiça, pela natureza das funções que lhes são cometidas por esta lei, distinguem-se em serventuários e funcionários.

Art. 2º. São serventuários os ocupantes de cargos criados por lei, com denominação própria, e em número certo, cujas atribuições dizem respeito diretamente à atividade judiciária.

Art. 3º. São funcionários os ocupantes de cargos criados por lei, com denominação própria e em número certo, cujas atribuições são precipuamente de natureza administrativa.

Adiante, no art. 6º, define-se que oficiais notariais e registradores são espécies de serventuários titulares.

Assim, portanto, no Estado do Rio de Janeiro, ou se entende que, em vista de vazio normativo, aplica-se a opção federal, de modo a compreender-se o Poder Executivo como delegante de funções notariais de registro, ou, caso se compreenda que se tratem de funções auxiliares, aí seriam ocupantes de cargos demandantes de criação pela via da lei, conforme exigência constitucional e da própria legislação estadual. Estar-se-ia, então, diante do debate da reserva de lei.

 

01. Estabelecido que as atividades notariais e de registros são exercidas em caráter privado mediante delegação, e assim os seus titulares não são equiparáveis a servidores e empregados públicos, nem submetem-se ao regime jurídico estatutário, tampouco são verdadeiros auxiliares da Justiça (por decorrência da natureza do serviço exercido), cabe indagar se tais funções (e aqui, portanto, não se está falando das próprias delegações mas do plexo de competências as precedem) podem ser criadas mediante ato administrativo, tal como sucedeu com a Resolução nº 12/04, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

02. Aceite-se, desde já, que o Estado, no exercício de sua função administrativa,

"intervém nos atos e fatos da vida particular para lhes conferir certeza e segurança jurídica, ora diretamente, ora credenciando ou delegando a particulares esta função. Tal é a situação dos tabelionatos e cartórios" (

Assim, os agentes delegados,

"são particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviços públicos e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nessa categoria encontram-se os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios e cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, as demais pessoas que exercem delegação para alguma prática estatal ou serviço de interesse público" (

03. Nesta linha, é de se aceitar, igualmente, pelo teor da atividade que desempenham (atividade de "organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos", conforme art. 1º, da Lei n.º 8.935/94), que se está diante do desempenho de atividade jurídica e não material, como ocorre com os serviços públicos (

04. Com isso, por estar-se diante de plexo ou feixe unitários de competências públicas, o modo como surgem e se extinguem somente pode ocorrer através de lei.

05. Nesta linha, aliás, o Ministro Sepúlveda Pertence, embora com algumas diferenças no tratamento terminológico, já se manifestou:

"Não posso negar a relevância da argüição de inconstitucionalidade. Os ofícios do notariado e dos registros públicos são órgãos do estado, na medida em que instrumentos do desempenho de funções públicas; organismos dotados de fé pública, está dito, hão de ser serviços estatais. Não importa que por essa sobrevivência inqualificável no setor dos tempos de patrimonialização do Estado, como preceitua esse melancólico art. 236 da Constituição, se cuida de funções públicas exercidas em caráter privado por delegação do Poder Público.

Porque são públicos, é que, para exercê-los em caráter privado, dependem, os titulares dos cartórios, da delegação do Estado. São, pois, órgãos da administração. E assim, à primeira vista, a mim me parece que a instituição de ofícios é objeto de reserva de lei no art. 48, inciso, XI, da Constituição: trata-se da criação de órgãos públicos.

Tenho dificuldade também, por ora, com todo respeito pelo voto do eminente Relator, de extrair da Lei Federal – quando proíbe a descentralização territorial de cada ofício – a criação de órgãos públicos estaduais ou a autorização para criá-los por ato administrativo" (

06. Logo, para uma melhor análise da questão, justificando a impossibilidade de criação de funções extrajudiciais mediante ato administrativo, há que se compreender a hipótese sob dois prismas: legalidade e reserva de lei.

07. Neste sítio, a doutrina nacional, através da pena de José Afonso da Silva, em passagem de referência inafastável, sustenta:

"A doutrina não raro confunde ou não distingue suficientemente o princípio da legalidade e o da reserva de lei. O primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou à atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislad

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