Filipe Gustavo Barbosa Maux – professor, notário e registrador
No caminho sem volta da desjudicialização, após os avanços legislativos exitosos (Lei nº 11.441/07 – divórcio e inventário extrajudicial; Lei nº 9.514/1997 - Alienação Fiduciária; Lei nº 13.105/2015 - usucapião extrajudicial), e projetos de lei interessantíssimos “1”, o Congresso Nacional apresenta o Projeto de Lei no Senado n. 3.999/2020, que prevê o despejo extrajudicial e a consignação extrajudicial de chaves, alterando assim a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991.
A tendência da desjudicalização e dos métodos alternativos de resolução de conflitos é premente. Analisando dados emitidos pelo CNJ ”2”, no ano de 2019, a duração média de processos pendentes em fase de execução no Poder Judiciário Estadual foi de, aproximadamente, 6(seis) anos e 2 (dois) meses.
O acervo de processos na justiça estadual é de mais de 55(cinquenta e cinco) milhões de processos.
Não pensar em formas de resolução ou minimização desse problema irá macular o direito fundamental de acesso à Justiça. A desjudicialização e as inovações legislativas que objetivam dar plena resposta ao cidadão na consecução dos seus direitos representam avanços sociais importantes. Daí a grande importância do despejo extrajudicial e a consignação extrajudicial de chaves.
Segundo dados divulgados através do Censo de 2019 “3”, o percentual de 18,34% da ocupação residencial do País é oriundo de contratos de locação.
Imaginemos, portanto, o volume de litígios decorrentes desses contratos, como a falta de pagamento, o despejo, deposito de chaves, renovação do contrato, discussão de cláusulas contratuais, etc.
No caminho da desjudicialização, o Congresso Nacional busca ferramentas para dinamizar o volume de processos judicias decorrentes desses contratos, principalmente, após tentativas de composição decorrentes do inadimplemento do locatário e nos casos em que este inadimplemento se torna intolerável para os locadores.
“1” Projeto de Lei no Senado n. 4.894/2019, que permite o Acordo Extrajudicial de verbas trabalhistas celebrado por escritura pública, prescindindo da homologação judicial, o Projeto de Lei no Senado n. 6.204/2019, que desjudicaliza a execução civil de título executivo judicial e extrajudicial, e, o Projeto de Lei no Senado n. 4.257/2019, que permite a execução fiscal administrativa e a arbitragem tributária.
“2“ https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/8/art20190829-11.pdf
“3” https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6821#resultado
A Lei nº 8.245/91 – que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes, permite ao locador promover a demanda judicial do despejo e rescisão do contrato, com a retomada do imóvel locado.
Nesse sentido, imaginar que o locador, que tem o direito legitimo de retomado do bem locado em caso de inadimplência, aventar uma tramitação processual de cerca de 6 (seis) anos para a desocupação do imóvel e a reassunção de sua disponibilidade econômica, é no mínimo desestimulante.
Pesquisa realizada pelo SECOVI-RIO e pela Associação Brasileira Administradoras de Imóveis “4”, constatou que 76,7% das locações residenciais são referentes ao locador que possuem apenas um imóvel e dependem do aluguel para complementar renda.
Nesse sentido, a locação de imóvel é forte mecanismo social de renda, além de representar um forte vetor econômico representado na compra e imóveis, adquiridos, em regra, para locação.
Com efeito, o contrato de locação detém um fator econômico e social de enorme repercussão no Brasil.
Criar mecanismo de desjudicialização nas locações irá ter reflexo na economia do país.
1 – O despejo extrajudicial;
O despejo extrajudicial visa estabelecer um procedimento racionalizado para a rescisão e a retomada de imóveis locados na hipótese da falta de pagamento de aluguéis e encargos em locações residenciais mensais, por temporada e não-residenciais.
Esse procedimento ocorreria por meio da lavratura de ata notarial, notificações extrajudiciais e a possibilidade de questionamento judicial em cada uma de suas fases, o despejo extrajudicial
O despejo extrajudicial utilizaria instrumentos procedimentais já existentes e plenamente utilizáveis no mundo jurídico, como a ata notarial e a notificação extrajudicial.
Assim dispõe a Lei 13.105/2015, em seu artigo 384, que “a existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.”
O mesmo diploma processual assim aduz em seu Art. 726, “quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto
“4” https://www.secovirio.com.br/no-rj-767-dos-locadores-residenciais-possuem-apenas-um-imovel-e-dependem-desse-aluguel-para-complementar-renda/
juridicamente relevante poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para dar-lhes ciência de seu propósito.”
Nesse sentido, constado a inadimplência das obrigações locatícias, seria promovido em cartório de notas a ciência do locatário acerca do procedimento, a possibilidade de desocupar o imóvel voluntariamente, a possibilidade de purgar a mora, a rescisão contratual, a retomada do imóvel pelo locador, e a possibilidade de apreciação do Poder Judiciário.
O locatório, teria a plena garantia do contraditório e a ampla defesa, pela prerrogativa constitucional de que o locatário, se entender que há irregularidade no procedimento extrajudicial, seja formal ou material, recorra ao Poder Judiciário para obstá-lo.
As matérias defensivas que podem ser alegadas pelo locatário, seguindo a lógica do art. 373, II da Lei nº 13.105/2015, continuarão a poder ser apreciadas pelo juiz competente.
1.2 – Procedimento do despejo extrajudicial:
O Projeto de Lei acrescenta o procedimento do despejo extrajudicial na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, (Art. 66-A, 66-B, 66-C, 66-D, 66-E, 66-F, 66-G e 66-H)
Esse procedimento seria aplicado, exclusivamente, às hipóteses de desfazimento do contrato de locação por falta de pagamento,
O locador irá requerer ao Tabelião do Ofício de Notas situado na comarca do imóvel locado, que lavre ata notarial, na qual deverá constar cada fase do procedimento.
O pedido de lavratura da ata notarial, será subscrito conjuntamente por advogado, salvo se o locador lhe outorgar poderes de representação, e, os seguintes documentos:
a) documento de identificação e comprovante de domicílio do locador;
b) prova do contrato de locação
c) prova de tentativa de negociação por parte do locador, ou seu preposto, esclarecendo ao locatário o uso do despejo extrajudicial em caso de insucesso;
d) planilha para fins de purga da mora; e
e) indicação de conta para depósito dos aluguéis e encargos, para fins de purga da mora;
Em até 30 (trinta) dias corridos da lavratura da ata notarial, o locador promoverá a notificação do locatário para purgar a mora no prazo de 30 (trinta) dias corridos, sob pena de desocupação compulsória,
A notificação seria subscrita conjuntamente por advogado.
A notificação seria remetida por meio do Registro de Título e Documentos ou serventia que o substitua, na qual constarão as informações que identifiquem a ata notarial lavrada perante o Ofício de Notas escolhido.
O prazo de desocupação ou de purga seria contado a partir do recebimento da notificação ou do atestado do oficial competente quanto ao recebimento por parte do locatário.
A hipótese do imóvel ocupado por pessoas diversas do locatário ou seus familiares, o oficial competente comunica a informação em certidão própria, identificando, sempre que possível, os ocupantes.
Na notificação seriam expostos sumariamente os seguintes fatos:
I - os valores discriminados, cabível a inclusão dos alugueis e encargos vincendos, a partir da data do protocolo no Ofício de Notas;
II - a indicação de banco, agência e da conta para depósito dos aluguéis e encargos, para fins de purga da mora;
III - a indicação de que a notificação se faz com fundamento no art. 66-A recém alterado.
O locatário, no prazo concedido na notificação, poderá desocupar o imóvel, comunicando tal escolha ao Tabelião do Ofício de Notas, com a entrega das chaves mediante recibo na sede da serventia, ou purgar a mora, sempre depositando os valores integrais na conta indicada pelo locador.
Findo o prazo estipulado para a purga da mora, o locador comparecerá ao Ofício de Notas, em até 30 (trinta) dias corridos, para verificar a comunicação de purga da mora por parte do locatário.
No caso do locatário ter purgada da mora, o locador, no prazo de 10 (dez) dias úteis, manifestará sua concordância ou discordância acerca do valor depositado.
Caso o locatário não se manifeste, o Tabelião fará constar tal informação da ata notarial, encerrando o procedimento do despejo extrajudicial.
O Tabelião do Ofício de Notas descreverá minuciosamente os acontecimentos, encerrando a ata notarial, findos os prazos previstos.
Se o locador concordar com à purga da mora, permanecerá válido e eficaz o contrato de locação, se encerrada constando a ausência de purga da mora ou a discordância do locador quanto ao depósito por parte do locatário, fica desde logo rescindida a locação e decretado o despejo compulsório.
O Tabelião do Ofício de Notas oficiará o Tribunal de Justiça, informando todo o procedimento, anexando ao ofício a ata notarial, com informação clara, para que seja distribuída ao juiz competente.
Recebido o ofício do notário e presentes os requisitos descritos, o juiz autorizará o despejo e o seu cumprimento por oficial de justiça.
Autorizado o despejo, o Oficial de Justiça cumprirá, em até 30 (trinta) dias corridos, ao despejo compulsório, podendo se servir de auxílio de força policial, caso seja necessário.
2 – Da consignação das chaves;
O locatário poderá promover a consignação de chaves, para fins de devolução do imóvel locado, perante Tabelionato do Ofício de Notas do local.
O pedido de lavratura da ata notarial, para os fins dessa consignação será subscrito conjuntamente por advogado, salvo se o locatário lhe outorgar poderes de representação.
Será lavrada ata notarial, devendo dela constar:
a) documento de identificação e comprovante de domicílio do locatário;
b) prova do contrato de locação;
c) comprovante da ciência do locador acerca do interesse na devolução do imóvel; e
d) comprovante de tentativa de devolução do imóvel e recusa injustificada do locador, fundamentada ou não;
A ata notarial poderá incluir a verificação das condições do imóvel quando da entrega das chaves.
Lavrada a ata notarial, deverá o locatário promover notificação do locador no prazo de 15 (quinze) dias úteis, sob pena de não ser reconhecida a devolução.
Notificado o locador, independente da retirada das chaves, será reconhecida a devolução do imóvel na data da lavratura da ata notarial, sem prejuízo do posterior cumprimento das obrigações contratuais remanescentes, entre as quais: pagamento de aluguéis e acessórios da locação que vencerem até a sua efetivação, juros de mora, multas ou penalidades contratuais, quando exigíveis, e, indenizações por reparos ou danos ao imóvel, incluída a reversão de reformas não pactuadas.
3 – Das conclusões:
Como analisando, tanto o procedimento do despejo compulsório como a consignação das chaves têm participação de advogado e são verificados/certificados por Tabelião do Ofício de Notas da comarca do imóvel locado, que lavra ata notarial em que se constatam os requisitos previstos no projeto de lei
A garantia do contraditório e ampla defesa estão garantidas com a possibilidade do Poder Judiciário identificando eventuais violações anular o procedimento administrativo
Essas medidas de desjudicialização criarão uma dinâmica aos contratos de locação e suas inadimplências, criando uma segurança e valorização no mercado imobiliário, propiciando maior demanda, harmonização dos preços, adequação de garantias e menor burocracia, para as locações residenciais mensais, por temporada e não-residenciais,
Não é de somenos importância salientarmos que esse procedimento tende a criar uma dinâmica maior nesse negócio jurídico tão importante e presente na sociedade.
Fonte: Artigo