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Quarta, 19 de Dezembro 2012

Artigo: Os danos do Consumidor na Compra de Carro Financiado por Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo

A compra de carro financiado com alienação fiduciária em garantia facilita o crédito pela maior segurança do credor. Se o devedor não pagar as prestações, perde o veículo liminarmente, basta o ajuizamento de ação de busca e apreensão. Equivocadamente, porém, o Código Civil de 2002 transferiu o registro desses contratos para os órgãos de trânsito, dispensando os cartórios, a pretexto de reduzir custos e burocracia. Na prática, ganharam os bancos contra os consumidores, que foram em tudo prejudicados.

São muitas as desvantagens do comprador de carros. Destaco as principais: (i) o devedor assina contrato “em branco”, pois é sempre “virtual”, podendo não existir; (ii) sem cópia do contrato, o devedor suporta as mais variadas tarifas e despesas operacionais, impossível de identificar senão em perícia contábil; (iii) as tarifas e despesas bancárias, ao contrário dos emolumentos, que são fixados em lei, são de livre iniciativa das instituições financeiras; (iv) a maior parte dos emolumentos tem fim social, na forma de tributos e obras de infra-estrutura, como fazem prova o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e a Defensoria Pública, exemplos para o Brasil; (v) o registro administrativo de trânsito resume-se à mera anotação do gravame no certificado do veículo, ficando no banco o contrato “virtual”; (vi) o devedor paga cerca de R$100 reais por cada anotação a empresa privada, que apropria integralmente os valores auferidos; (vii) a só anotação do gravame não cumpre as exigências do artigo 1.362 do Código Civil, sendo juridicamente ineficaz a garantia real; (viii) os órgãos de trânsito não se submetem à Fiscalização do Poder Judiciário como ocorre em relação aos cartórios; (ix) a falta do registro público, privando o devedor do contrato e das certidões de igual teor, torna muito difícil a sua defesa em juízo com os direitos positivados no Código do Consumidor (Lei 8.078/1990); (x) o registro público, diverso do registro administrativo de trânsito, confere estabilidade às cláusulas contratuais, definindo o valor das prestações, os prazos e as taxas de juros.

No tocante ao financiamento da compra de carros, nosso sistema bancário continua abaixo dos padrões internacionais de qualidade, superlotando os Juizados Especiais com toda sorte de abusos. Efetivamente, são muitas as reclamações de erros no cálculo matemático das prestações, conforme apontam as perícias, pondo a nu os graves equívocos, que podem chegar a cifras elevadas – entre R$2.000 e R$5.000 reais –, agravadas pela adição de muitas tarifas e despesas extras, incluindo até prêmios de seguro.

Nesse contexto de tarifas e despesas acrescidas, o consumidor de crédito suporta três “taxas” especialmente danosas. A primeira, tantas vezes julgada ilegal, é a taxa de abertura de crédito (TAC); as duas outras visam ao pagamento de comissões aos vendedores de automóveis, apelidada de “taxa de retorno”, servindo a terceira, chamada de “taxa de gravame”, para remunerar a empresa privada gestora das inclusões e cancelamentos de gravames.

Outra prática abusiva é a contabilização de todos esses valores na soma do financiamento, sofrendo a mesma incidência dos juros pactuados. Apenas para ilustrar, imagine-se que um veículo usado, adquirido ao preço de R$15.000 reais, pode exibir saldo devedor inicial da ordem de R$17.000 a R$18.000 reais. Na falta de regulação impositiva, favorecida pela cultura dos devedores, preocupados mais com o montante das prestações mensais, os bancos seguem livres de controle do Banco Central, salvo as condenações judiciais, todavia em volume que não inibe as ilegalidades.

Ao fim e ao cabo, o que importa aos bancos é a anotação nos certificados dos veículos do ônus da alienação fiduciária. Não contam os interesses dos financiados, nem o imperativo constitucional que manda amparar o consumidor. Infelizmente, a lógica do sistema é dar o máximo de proteção econômica para o credor. O último passo, agora, é acabar com o registro público, posto que aí o contrato se revela por inteiro, ganhando os devedores em segurança jurídica concreta. Nas circunstâncias, é o instrumento contratual, a tempo registrado, que assegura aos demandantes as possibilidades de vitória em juízo, enquanto que, se faltar, ninguém sabe o que foi realmente ajustado.

Visto o interesse geral, convém realçar que o simples cancelamento da garantia junto ao DETRAN, por ordem judicial, encontra um óbice às vezes irremovível. É que o programa de dados da empresa privada, para apontar os gravames, é controlado diretamente pelos bancos, sem nenhuma ingerência dos departamentos de trânsito, cabendo-lhes a tarefa passiva de receber as informações que chegam em meio eletrônico. Conseguintemente, não é fácil cumprir quaisquer determinações judiciais, alusivas ou não aos financiamentos, bem assim os demais atos de constrição judicial, como penhora, sequestro, arresto, indisponibilidade.

Urge considerar a legalidade constitucional que delega aos profissionais do Direito, aprovados em concurso público, com exclusividade, a prestação do serviço de registro público. A formalidade do registro é essencial à constituição da propriedade fiduciária, havendo de observar, no interesse de credor e devedor, os requisitos do artigo 1.362 do Código Civil. Por tal razão, no último Encontro Nacional do Colégio de Corregedores Gerais das Justiças Estaduais e do Distrito Federal, realizado em Maceió-AL, nos dias 22 e 25 de agosto de 2012, foi aprovado o Enunciado nº 11, categórico em “Orientar no sentido de que os contratos de alienação fiduciária, em se tratando de veículos, anotados diretamente nos DETRANs, não têm efeito constitutivo da propriedade fiduciária, sem o registro em Cartório de Títulos e Documentos, como previsto no artigo 1.361, § 1º, do Código Civil”.

Os cartórios são os curadores da fé pública, revestindo de segurança jurídica os negócios particulares. Isto previne litígios e promove a paz social. Nas relações creditícias, a função do registro é assegurar equilíbrio às partes, permitindo aos devedores decidir com responsabilidade os seus compromissos financeiros. Na lição de CANOTILHO, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança são constitutivos do Estado de Direito. Então esclarece: a segurança jurídica cuida da estabilidade, orientação e realização do Direito; a proteção da confiança atende mais à previsibilidade dos indivíduos quanto aos efeitos dos seus atos (cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2000, p. 256).

A gravíssima crise financeira mundial, obra da irresponsabilidade dos bancos, mostra que o Poder Público precisa enquadrá-los em rígida regulação, capaz de propiciar à sua clientela e à sociedade um modelo de gestão cautelosa e com maior controle sobre a circulação da riqueza, forçando a conviverem num ambiente de respeito aos investidores e tomadores de crédito, amparados pelo Código do Consumidor.

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Presidente do IRTDPJRJ – Diretor da ANOREG/RJ – Titular do 4º Registro de Títulos e Documentos da cidade do Rio de Janeiro – Magistrado e Professor de Direito Civil.

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