Com o atual cenário de pandemia mundial em decorrência da Covid-19 (“Coronavírus”) e consequente Estado de Calamidade Pública e Quarentena recém-decretados no Estado de São Paulo, surge a preocupação generalizada dos locadores e locatários de imóveis comerciais a respeito dos impactos que a pandemia pode trazer para seus respectivos negócios.
De um lado temos o locatário que, em decorrência do decreto de quarentena, teve sua renda drasticamente reduzida ou, até mesmo, cessada. Do outro lado temos o locador que, muitas das vezes, tem os valores advindos dos contratos de locação como sua fonte de renda primária.
Diante deste cenário, a melhor saída para evitar prejuízos maiores e garantir a sobrevivência dos empreendimentos, seria a renegociação extrajudicial dos contratos de locação de imóveis comerciais. É certo que o momento de crise requer compreensão e solidariedade de todos.
Neste sentido, o artigo 18 da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) prevê que as partes, de comum acordo, podem renegociar novo valor de aluguel, bem como inserir ou modificar a cláusula de reajuste de valor. Em complemento, mesmo que não previsto expressamente na Lei do Inquilinato, diante da excepcionalidade da situação, é possível que as partes ajustem, por exemplo, uma minoração ou desconto dos valores do aluguel por prazo determinado, correspondente ao período de recessão de vendas sofrido pelo locatário em decorrência do fechamento compulsório e provisório de seu estabelecimento.
Além do mais, é permitido às partes convencionarem pelo não reajuste no corrente ano, dentre outros benefícios ao locatário que teve seu estabelecimento compulsoriamente fechado, todos pautados no bom senso e boa-fé das partes envolvidas, buscando sempre o equilíbrio econômico financeiro do contrato, a fim de evitar que uma das partes suporte prejuízos maiores do que a outra.
Entretanto, sabemos que nem sempre o cenário ideal da negociação extrajudicial é o que ocorre de fato. Diante disto, surge a questão: o que fazer quando as partes não chegam a um consenso por meio da negociação extrajudicial?
Faz-se necessário frisar que entendemos a pandemia decorrente do Coronavírus como uma típica situação de caso fortuito ou força maior.
Desta forma, partindo da premissa de que a pandemia decorrente do Coronavírus é uma típica excludente de responsabilidade, conforme prevê o art. 393, parágrafo único, do Código Civil, o nexo causal nas obrigações e responsabilidades advindas das relações locatícias diretamente afetadas pela pandemia seria rompido, afastando, inclusive, a constituição do devedor em mora, como dispõe o art. 396 do Código Civil.
Não obstante ao entendimento de que o Coronavírus é uma típica situação de caso fortuito ou força maior, frisa-se que a força maior e o caso fortuito possuem duas vertentes básicas. A primeira é que somente eximirá o devedor dos prejuízos que expressamente não tiver se responsabilizado. A segunda é que deve vir de um fato necessário, exemplo: deixar de pagar aluguel, pois o estabelecimento fora compulsoriamente fechado, deixando de auferir renda suficiente para arcar com suas obrigações; causa e efeito de uma Força Maior que não era possível prever, evitar ou, impedir na celebração do contrato.
Assim, o devedor que estiver constituído em mora antes da decretação do estado de quarentena, não deve ser abrangido pelo benefício da excludente de responsabilidade, pois sua mora decorre de motivos alheios aos ocasionados pela quarentena.
Seguindo no questionamento, embora nos casos locatícios seja aplicável a Lei Inquilinato, que prevê em seu artigo 19 a possibilidade da propositura de uma Ação Revisional de aluguel apenas após três anos de vigência do contrato, diante da excepcionalidade da situação, não havendo previsão na Lei especial que verse sobre a revisão contratual por motivos imprevisíveis, aplica-se o disposto no art. 317 do Código Civil, podendo ser proposta uma Ação Revisional do contrato de Locação Comercial com base na Teoria da Imprevisão.
Versa o referido artigo que: “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
Além do mais, a propositura de referida Ação Revisional fundamenta-se também com o disposto nos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil, que, em suma, dispõem que, nos contratos de execução continuada, se a prestação se tornar excessivamente onerosa para uma das partes, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, é possível pleitear por sua revisão, para que se corrija a onerosidade excessiva suportada por uma das partes.
Destarte, não obstante às previsões reguladoras dos contratos de locação dispostas na Lei do Inquilinato, devem ser observadas as especificidades do Código Civil, que complementa e regulamenta aquilo que não contém previsão expressa em lei especial, de modo a permitir as renegociações de contratos de contratos de locações comerciais em períodos críticos.
Fonte: Jornal Contábil