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Sexta, 29 de Julho 2011

Leia a íntegra do parecer da Promotoria de Cajamar que autorizou o casamento direto homossexual

Habilitação para casamento
Parecer do Ministério Público

Meritíssima Juíza:

Wesley Silva de Oliveira e Fernando Junior Isidório de Oliveira
, ambos do sexo masculino, ingressaram com o presente pedido de habilitação de casamento junto ao Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de Cajamar.

O pedido foi instruído com declaração de duas testemunhas, no sentido de que os requerentes não são parentes entre si em grau proibido por lei, nem tem impedimento algum que os inibam de casar.

É o breve relatório.

O pedido deve ser deferido.

Cumpridas todas as formalidades legais, a questão que se coloca para análise é a possibilidade ou não de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o que se passa a apreciar.

Conforme amplamente noticiado, o Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais do município de Jacareí (SP) realizou na data de 28.06.2011, o primeiro casamento civil homossexual da História do Brasil. O ato, coincidentemente realizado no dia de comemoração do Orgulho Gay e da Consciência Homossexual no País, promoveu a conversão da união estável de Luiz André de Rezende Moresi e José Sérgio Santos de Sousa, que já vivem juntos há oito anos, em Casamento.

O fundamento para o deferimento do pedido pelo MM Juiz de Direito no caso em tela, e para o presente pedido se encontra na própria Constituição Brasileira. Com efeito, a Lei Maior declarou que o Brasil tem como "objetivos fundamentais" a construção de "uma sociedade livre, justa e solidária", bem como "promover o bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, raça, SEXO, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, incisos I e IV).

Também determina a Constituição Federal que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" e que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" (art. 5º, inciso I).

Mais à frente, no Título "Da Ordem Social", a Lei Maior afirma que "a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado" (art. 226, caput).

Sobre o casamento, a Constituição Federal dispõe que o mesmo "é civil e gratuita a celebração" (art. 226, § 1º), acrescentando que "o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei" (art. 226, § 1º), e que o casamento ”pode ser dissolvido pelo divórcio (art. 226, § 6º, com redação dada pela Emenda Constituição nº 66, de 13/07/2010).

Em harmonia com o princípio da igualdade, nossa Lei Maior enfatiza que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher" (art. 226, § 5º).

Contudo, é público e notório que milhares de pessoas do mesmo sexo (homens e homens; mulheres e mulheres), compartilham a vida juntos como se casados fossem.

A ausência de respaldo jurídico a tal realidade social causou inúmeros prejuízos e injustiças, desde o não reconhecimento do direito à sucessão, passando pela ausência da presunção legal de esforço comum no patrimônio constituído, até a ausência de direitos sociais, como a pensão previdenciária por morte.

Foi nesse contexto que no dia 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento, tendo como relator o Exmo. Ministro Ayres Britto, reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, dando interpretação conforme a Constituição Federal, para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Na ocasião, o Exmo. Ministro Ayres Britto foi seguido pelos Exmos. Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como Exma. Ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie - decorrendo votação unânime dos presentes.

Tal julgamento, nos termos do art. 102, § 2º, da Constituição Federal, possui "eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal".

No caso concreto, aplica-se a conhecida fórmula jurídica romana, segundo a qual "onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito" ("ubi eadem ratio, ibi eadem jus"). Desta forma, os fundamentos de tal julgamento, ainda que sem o dito efeito vinculante, certamente são aplicáveis ao instituto de direito civil denominado casamento, inclusive ao mencionado art. 226, § 5º, da Constituição Federal - o que apenas não foi declarado no mencionado precedente histórico do STF, provavelmente porque não era objeto dos pedidos das ações em análise.

Os prováveis entraves a tal entendimento podem advir de discriminação e/ou de convicções religiosas.

Mas o Estado Brasileiro, do qual o Judiciário é um dos Poderes, repudia constitucionalmente a discriminação e é laico, ou seja, não vinculado a qualquer religião ou organização religiosa.

A discriminação (ou preconceito) contra homossexuais decorre normalmente de equívoco sobre a origem “psíquica” do homossexualismo, e de dogmas ou orientações religiosas.

Assim, pode-se afirmar que no Brasil há situações de fato e de direito muito mais graves para se preocupar, que com a vida de dois seres humanos desejosos de paz e felicidade ao seu modo, sem infringir direitos de ninguém.

Diante do exposto, manifesto-me favoravelmente a habilitação de casamento realizada pelos requerentes.

Cajamar, 20 de julho de 2011.

Adriana de Cassia Delbue Silva
Promotora de Justiça

Fonte : Assessoria de Imprensa

Data Publicação : 29/07/2011


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